Profissionais privados do sono noturno devem reforçar prevenção contra Covid-19
Pesquisadores da UFMG mostram por que esses trabalhadores têm sistema imune fragilizado e estão mais vulneráveis à infecção
O sono é um dos agentes de regulação do sistema imune, e esse processo é ditado por “ritmos” de produção de moléculas de defesa, nos diferentes períodos do dia. Pessoas que trabalham à noite, permanentemente ou em regime de rodízio, sofrem alterações no sono e têm esses ritmos desregulados, o que gera redução ou atraso na produção das moléculas de defesa e, portanto, maior dificuldade no combate a infecções como a que provoca a Covid-19.
Em artigo publicado em maio, na revista Chronobiology International, pesquisadores da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG defendem que os efeitos da restrição ou privação do sono noturno atingem todos as pessoas que trabalham nesse período e que é muito importante que esses profissionais – médicos, enfermeiros, socorristas, seguranças, motoristas, entre outros – redobrem, nessa fase de pandemia, os cuidados de prevenção contra o contágio pelo novo coronavírus.
Segundo a residente de pós-doutorado Flavia Rodrigues da Silva, autora principal do artigo, o grupo consultou cerca de 130 estudos, realizados no Brasil e no exterior, e os resultados da maior parte deles associam alterações no sono à redução da imunidade, o que pode ser especialmente grave nessa fase de circulação de um vírus tão agressivo. “Não há como compensar a baixa imunidade causada pela ausência do sono noturno, mas alimentação equilibrada e outros hábitos saudáveis são recomendados para evitar o desencadeamento dos mecanismos decorrentes da perda de sono”, ressalta a pesquisadora.
Outras alterações
O artigo salienta que a baixa imunidade é uma das consequências mais importantes da falta do sono noturno, que também pode contribuir, dependendo das características de cada organismo e do grau de débito de sono, para desequilíbrio hormonal, alterações de humor, lentidão da resposta a estímulos visuais e sonoros e desenvolvimento de doenças como hipertensão e diabetes.
O trabalho recém-publicado, coordenado pelo professor Marco Túlio de Mello, do Departamento de Esportes, lembra que, de maneira geral, os vírus induzem resposta de estresse nas moléculas infectadas. Algumas das moléculas aptas a defender o organismo contra as infecções têm memória imunológica – ou seja, agem com mais rapidez porque já combateram a infecção antes –, e outras agem no controle da infecção eliminando prontamente o agente responsável.
“O sono tem papel fundamental na produção e manutenção do equilíbrio dessas moléculas. Mas o estresse diante da pandemia, aliado ao sono precário, impede que parte considerável dessas moléculas seja produzida de maneira suficiente, e a defesa imunológica fica prejudicada”, afirma Marco Túlio. “O vírus altera a produção, o funcionamento e a interação dessas moléculas, provocando as infecções do trato respiratório", acrescenta.
De acordo com Flavia Rodrigues da Silva, o estudo publicado na Chronobiology International alia-se a uma série de outros referenciados na literatura e agrega maior conhecimento ao esforço de pesquisa sobre sono e trabalhadores por turnos levada a cabo pelo Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício (Cepe/UFMG). “A relevância desse conjunto de trabalhos é ainda maior no contexto da pandemia da Covid-19, uma vez que demonstra a necessidade urgente de aumentar a prevenção dos trabalhadores noturnos que atuam nos serviços essenciais e estão, por isso, mais expostos ao novo coronavírus”.
Além de Flavia e Marco Tulio, assinam o artigo a professora Andressa Silva, os doutorandos Renato Carvalho Guerreiro e Eduardo Stieler e o aluno de iniciação científica Henrique de Araújo Andrade.
Artigo: Does the compromised sleep and circadian disruption of night and shiftworkers make them highly vulnerable to 2019 coronavirus disease (Covid-19)?
Autores: Flavia Rodrigues da Silva, Renato Carvalho Guerreiro, Henrique de Araújo Andrade, Eduardo Stieler, Andressa Silva e Marco Túlio de Mello
Publicação: maio de 2020, na Chonobiology International