Relatório aponta Brasil como a democracia com mais aspectos em declínio no mundo
Levantamento do IDEA identifica piora em indicadores democráticos do país desde 2016, com intensificação em 2019, quando começou o governo Bolsonaro
O Brasil é a democracia com mais aspectos em declínio no mundo, informa o relatório Estado Global da Democracia 2021, do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), que tem sede na Suécia. Segundo os dados divulgados na segunda, 22, nosso país teve piora em oito de dezesseis indicadores relacionados ao funcionamento adequado de regimes democráticos, inclusive na qualidade de controle de seu governo, um dos quesitos importantes para o bom funcionamento de democracias. Além do Brasil, tiveram piora nesse fator a Polônia, o Benin e o Iêmen.
O estudo afirma que a queda começou em 2016 e se intensificou com a posse de Jair Bolsonaro, em 2019. No documento, recebem destaque as declarações do presidente que questionam o sistema eletrônico de votação e a atuação do Supremo Tribunal Federal, além dos ataques à mídia. O texto também destaca que diversos fatores democráticos do Brasil ainda estão em nível superior ao dos vizinhos latino-americanos, resultado dos esforços de governos anteriores para consolidar a democracia nas décadas passadas.
São apontadas melhorias em alguns aspectos, como a criação de observatórios para monitorar compras e ações do governo relacionadas ao enfrentamento da pandemia de covid-19. O relatório mostra que existe uma tendência mundial de retrocesso e que o processo de erosão democrática é enfrentado por outras nações, devido ao aumento da desigualdade, da crise de representação partidária e da difusão de notícias falsas.
Quem analisou as informações do relatório Estado Global da Democracia 2021 e refletiu sobre o que está por trás do declínio da democracia brasileira no programa Conexões desta sexta, 26, foi o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo Cláudio Couto. Segundo o pesquisador, para entender o cenário, é preciso olhar para 2013, quando protestos de grandes proporções tomaram as ruas do país, já com elementos antidemocráticos, como o ataque a partidos políticos. A situação foi se deteriorando, culminando no impeachment da presidenta Dilma Rousseff três anos depois e a ascensão do governo Bolsonaro, em 2019, com questionamentos ao judiciário e apoiadores pedindo interferência das forças armadas.
Couto também destacou o comportamento de “morde e assopra” do presidente em relação a outros atores políticos. Para o professor, essa postura é mais um ponto de preocupação, pois, a cada novo ataque, as instituições se deterioram mais. Ele também comentou as reações que costumam vir em notas de repúdio e discursos de queixa às falas de Bolsonaro, além de criticar a postura subserviente do Procurador Geral da República, algo que não se via há muito tempo. O convidado lembrou que um ano eleitoral já é naturalmente conturbado, mas projetou que 2022 deve apresentar uma tensão ainda maior, com possibilidade de violência política. Nesse sentido, seu recado é estar alerta e não permitir que haja tolerância em relação aos intolerantes, que usam da violência para fazer política.
De acordo com o docente, o Brasil atingiu um patamar importante de consolidação democrática, como mostra o relatório, se tornando uma das mais sólidas democracias da América Latina. Dessa maneira, “mesmo piorando, conseguimos nos manter num patamar significativo de democracia, não faz com que deixemos de ser uma, ao contrário de Hungria, Nicarágua, Venezuela, Turquia, que são países que passaram a não ser mais democracias. Mas isso aconteceu aos poucos e essa é a novidade do fim ou piora das democracias no período atual. Antigamente, era o golpe de estado clássico, quartelada, tanque na rua, fecha o congresso, prende opositores e toma-se o poder. Hoje, isso vai sendo feito aos poucos por quem já ocupa o governo e vai esvaziando os limites que possam ser postos à sua ação e vai, claro, minando as possibilidades da própria oposição de exercer seu papel e, por meio do processo eleitoral, uma hora se tornar governo, que também é uma possibilidade importante na democracia”, concluiu.
Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.
O relatório Estado Global da Democracia 2021 pode ser acessado na íntegra, em inglês, neste link.
Produção: Enaile Almeida, sob orientação de Luiza Glória e Alessandra Dantas
Publicação: Alessandra Dantas