Pesquisa e Inovação

Sabrina Sedlmayer, da Fale, lança livro em que investiga o fenômeno da ‘gambiarra’

Fugindo da perspectiva do exotismo, da folclorização e da mitologização, a autora lê essas ‘práticas de improviso’ como um sintoma da necessidade, e não apenas da criatividade

'Quem não tem cão caça com gato: estudando a gambiarra', de Sabrina Sedlmayer
'Quem não tem cão caça com gato: estudando a gambiarra', de Sabrina Sedlmayer Imagem: Reprodução de capa

Neste sábado, 15, às 11h, a professora da Faculdade de Letras Sabrina Sedlmayer lança o livro Quem não tem cão caça com gato: estudando a gambiarra (Editora UFRJ) na livraria Quixote, em Belo Horizonte. No ensaio, a pesquisadora investiga, em perspectiva interdisciplinar, essa “arte” de adaptar, improvisar e encontrar soluções simples e criativas para pequenos problemas, procedimento tão comum às rotinas brasileiras. A livraria Quixote fica na Rua Fernandes Tourinho, 274, na Savassi.

Sabrina mira a questão com foco em sua incidência em outros âmbitos, que não apenas o da vida cotidiana, como a literatura, as artes visuais e a cultura. Nesse exercício, ela aproxima a gambiarra das noções de performance, de Paul Zumthor, e de bricolagem, de Claude Lévi-Strauss, entre outras, e estabelece diálogos com obras de Carolina Maria de Jesus, Elvira Vigna e Lina Bo Bardi, além de com alguns trabalhos da cena artística contemporânea.

Esses trabalhos, anota-se no release de divulgação da obra, auxiliam a autora e seus leitores na compreensão da “relevância dessa ‘forma’ e ‘força’ que também é ‘método’ e ‘produto’ na história, no pensamento e na cultura brasileira”. A despeito de ter a cultura nacional como ponto de partida e mote privilegiado para a reflexão, a autora trata da gambiarra como uma manifestação capaz de eclodir em diferentes lugares, a depender da emergência ou não de certas condições de possibilidade.

'Curativo temporário'
No capítulo introdutório da obra, Sabrina sugere que, especificamente na atual realidade brasileira de capitalismo dependente, que articula em um modo bastante próprio tecnologia e industrialização a processos oligárquicos e ainda escravistas, “a gambiarra aparece como espécie de sintoma, um curativo temporário de feridas das desigualdades, de um passado colonial dentro de uma modernidade importada, socialmente e economicamente injusta”. Nesse sentido, a despeito de se realizar pela via da criatividade e, não raro, também do humor, a gambiarra costuma ser, em nossas paragens, antes, resultado da necessidade – uma necessidade que, entre outras razões, é causada pela falta e pela escassez tão próprias dessa realidade de capitalismo dependente antes mencionada.

Sabrina: gambiarra é sintoma da falta e da escassez, e não só da criatividade
Sabrina: gambiarra é sintoma da falta e da escassez, e não só da criatividade Foto: Henrique Gualtiere

“Friso que há uma ambivalência na perspectiva que proponho da gambiarra: ao mesmo tempo que se trata de uma apropriação criativa – modos singulares de se relacionar com os objetos, alterando as suas finalidades e as suas funções, capazes de revelar uma potência cognitiva poderosa no cotidiano –, no campo da literatura e das artes em geral, não a vejo dentro de uma coleção terceiro-mundista de curiosidades, ou como mero exemplo da farta alegria, do jeitinho e da malandragem brasileiros. A gambiarra exibe também a falta e a escassez, não só a criatividade”, a autora reitera, sugerindo que a manifestação dessas “práticas do improviso” talvez não sejam uma prerrogativa exclusiva brasileira, mas sim simplesmente o desdobramento de um conjunto de condições de possibilidade no qual o Brasil, sem exclusividade, se insere.

Mais à frente, em sintonia com essa perspectiva de mirar não apenas as manifestações locais, mas também as globais dessa insuficiência de recursos capaz de motivar a gambiarra, Sabrina anota: “as gambiarras são muito mais frequentes nos espaços que não têm, nos espaços que carecem"

Ainda no capítulo introdutório, ela apresenta, por exemplo, uma série de imagens de gambiarras coletadas em Marrocos, na África, entre 2021 e 2022, como modo de demonstrar o seu ponto. Para a pesquisadora, porém, a gambiarra parece ser ainda mais do que isso, isto é, mais que simplesmente uma realização criativa estabelecida em razão de um contexto de necessidade: na prática, ela se realizaria como um verdadeiro “operador do pensamento” humano; algo que, ao cabo, se relacionaria com “com a subsistência e com a sub-existência” dos seres, ela diz.

Sabrina Sedlmayer na Festa do Livro UFMG
Professora da Faculdade de Letras da UFMG desde 2005, Sabrina Sedlmayer é também pesquisadora do CNPq. Suas pesquisas situam-se no campo da literatura comparada, com ênfase nas literaturas e nas culturas em língua portuguesa, tendo a alimentação e os alimentos como um campo privilegiado de interesse. 

Na Faculdade de Letras, ela atua ou atuou em pelo menos dois grupos de pesquisa: o Núcleo Walter Benjamin (NWB) e o Sobre Alimentos e Literaturas (SAL), do qual é fundadora. O tema da gambiarra, especificamente, aparece no centro de seus interesses de pesquisa na sua última década e meia de investigações, tendo resultado já em outras produções textuais.

Um dos outros livros de sua autoria sobre o tema estará à venda com desconto na Festa do Livro da UFMG, que ocorre de 24 a 27 de março na Praça de Serviços, no campus Pampulha. Trata-se do volume Jacuba é gambiarra (Autêntica, 2017) cujo preço de capa é R$ 59,80. Na feira, segundo planilha divulgada pela Editora Autêntica, o livro será vendido por R$ 35,50 (40% de desconto). Na obra, a autora tenta “ampliar o entendimento da gambiarra como ato de resistência e criação no campo da alimentação”. O livro Comer com os olhos (Autêntica, 2024), do qual Sabrina é coautora, também estará à venda com 40% de desconto. O preço de capa da obra é R$ 72,90; na feira, segundo a editora, será vendido a R$ 43,50.

Livro: Quem não tem cão caça com gato: estudando a gambiarra
Autora: Sabrina Sedlmayer
Editora UFRJ
R$ 40

Livraria Quixote fica na Savassi, em Belo Horizonte
Livraria Quixote fica na Savassi, em Belo Horizonte Foto: Ewerton Martins Ribeiro | UFMG

Ewerton Martins Ribeiro