Tecnologia adaptada pela UFMG transforma resíduos orgânicos em biogás e adubo
Pesquisadores da Engenharia Sanitária e Ambiental aplicaram o processo em projeto no Rio de Janeiro
O subproduto gasoso (biogás) resultante da decomposição de materiais orgânicos é composto principalmente de metano, composto de elevado teor energético, mas que pode contribuir para o agravamento do efeito estufa quando liberado na atmosfera. Esse dano, no entanto, pode ser evitado quando se manipula a degradação do lixo dentro de um recinto fechado. O processo forma um biogás que é aproveitado, gerando retorno ambiental e econômico.
“O gás produzido durante a degradação de 250 toneladas de lixo produz energia capaz de abastecer mil automóveis ou suprir o consumo de 1.650 residências por mês”, ilustra o professor Carlos Augusto de Lemos Chernicharo, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, responsável pelo projeto da primeira unidade de biometanização da América Latina, construída no Rio de Janeiro.
Essa tecnologia usada para tratamento de resíduos orgânicos é chamada de metanização extrasseca (sem uso de água). Confinado em uma câmara sem oxigênio durante 30 dias, o resíduo é banhado por um líquido que acelera sua decomposição. “O biogás resultante dessa reação metabólica escapa por uma cavidade no topo da câmara e é armazenado numa espécie de balão, que precisa estar lacrado para que não escapem gases nem odores”, explica.
Fruto de parceria entre a UFMG e a empresa Methanum Energia & Resíduos, a planta é administrada pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) do Rio de Janeiro. A tecnologia foi financiada pelo BNDES. Dos R$ 10 milhões aportados, R$ 7 milhões foram usados na construção da planta, e o restante vem sendo investido para dar suporte ao desenvolvimento de pesquisas na planta.
Possibilidades
O gás produzido na planta tem diferentes possibilidades de uso. Uma delas é alimentar um motor acoplado a um gerador de eletricidade, substituindo o óleo diesel ou a gasolina. “Essa eletricidade supre a demanda da própria unidade, que consome cerca de 10%. O restante pode ser injetado na rede elétrica ou vendido para a concessionária local”, informa Chernicharo.
Segundo o professor, a energia térmica resultante do processo também é aproveitada. “Quando o motor queima o biogás para gerar eletricidade, produz também calor. Dentro de outra câmara, essa energia térmica é usada para secagem do resíduo que foi digerido. O produto final é um biossólido, que pode ser usado como adubo, tanto na agricultura como na recuperação de áreas degradadas pela mineração, por exemplo”, detalha.
Outra possibilidade é a purificação desse gás e sua utilização no abastecimento dos próprios caminhões que transportam o lixo. “Ao substituir o diesel pelo biometano, tem-se um ganho ambiental tremendo, já que o uso de uma energia renovável no lugar de uma fóssil reduz a emissão de gás carbônico na atmosfera”, explica Chernicharo.
Fechamento de ciclo
A tecnologia baseada no uso de câmaras lacradas para tratamento do lixo orgânico é conhecida na Alemanha como processo de garage (traduzido para o português como garagem). De acordo com Carlos Chernicharo, a UFMG inovou ao adaptar essa tecnologia para as condições brasileiras de temperatura, de características do resíduo sólido urbano e de possibilidades do aproveitamento energético. Salvo alguns poucos equipamentos importados de uso na planta, toda a engenharia construtiva, de processo e de controle, assim como os materiais utilizados na planta do Rio de Janeiro, foram totalmente desenvolvidos e fabricados no Brasil.
O engenheiro explica que os projetos de recuperação de recursos por meio do tratamento de resíduos estão alinhados à lógica de economia circular. No caso desse procedimento por via anaeróbia, é possível degradar a matéria orgânica sem consumo de energia. “O metano é gás de efeito estufa, por isso, é preciso queimá-lo. Mas em vez de queimar para a atmosfera, desperdiçando toda a energia contida no gás, podemos fazer isso nos motores, gerando eletricidade e calor, ou, em empreendimentos de menor escala, nos fogões ou nos aquecedores de água para banho, agregando benefícios sociais, econômicos e ambientais”, argumenta.