Tese 'garimpa' novos alvos terapêuticos contra a difteria
Mineração de dados em computador acelera a seleção de proteínas consideradas promissoras para estudos em laboratório
Com o uso de ferramentas de bioinformática, o pesquisador da UFMG Syed Babar Jamal Bacha identificou três proteínas que podem ser estudadas como alvos terapêuticos contra a difteria, doença reemergente que está recrudescendo em países como Rússia, Japão e Estados Unidos. Tema de matéria publicada na edição 2.014 do Boletim, o trabalho rendeu artigos publicados nas revistas Frontiers in genetics, em fevereiro deste ano, e Plos One, em outubro de 2017.
A simulação de milhares de testes em computador reduz a quantidade de proteínas consideradas promissoras para estudos em laboratório, o que significa economia de tempo e de custos. A pesquisa foi realizada por meio de mineração de dados, processo de descoberta automática de padrões, mudanças, associações, sequências e anomalias em grandes massas de dados.
“Enquanto algumas pesquisas investigam milhares de moléculas, testando cada uma em laboratório, essa pode começar com as três encontradas na análise de componentes do genoma da bactéria Corynebacterium diphtheriae, causadora da doença”, explica o professor Vasco Azevedo, orientador do trabalho de doutorado que gerou tese defendida em março, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Com base em estudo comparativo entre as linhagens do genoma sequenciado da bactéria, Syed Jamal propõe a formulação de fármacos para tratar pacientes acometidos pela difteria.
Segundo ele, a avaliação do potencial das cepas identificadas na pesquisa – pEf-fosfatase de HisE-fosforibosil-ATP, glpX-fructose 1,6-bisphosphatase II e a proteína ribossômica rpsH 30S S8 – deve ainda seguir passos essenciais, que começam com testes in vitro, depois em animais e, no futuro, em humanos, para verificar aspectos como biodisponibilidade e capacidade de atuação dessas substâncias sem afetar órgãos vitais como rins e fígado.
“Os dados apresentados nesse estudo podem contribuir com pesquisas futuras para o desenvolvimento de antibióticos e também ser aplicados a outras espécies bacterianas”, afirma o autor, que tem mestrado em bioinformática pela International Islamic University Islamabad (Paquistão) e desenvolveu o doutorado com financiamento misto da Academia de Ciências para os Países em Desenvolvimento (TWAS) e do CNPq, em programa que tem o objetivo de estimular a formação, no campo das ciências naturais, de jovens pesquisadores.
Além de Vasco Azevedo, orientaram Syed Jamal o professor Artur Luiz da Costa da Silva, da Universidade Federal do Pará, e o indiano Sandeep Tiwari, que desenvolve pós-doutoramento no ICB, onde defendeu tese de doutorado em março de 2017.
Pets e idosos
A vacina contra a difteria hoje utilizada mundialmente é a DTP, que protege também contra tétano e coqueluche. “Funciona bem contra a toxina Corynebacterium diphtheriae, evitando que ela cause dano ao organismo, mas a doença pode ser transmitida de pessoas imunizadas para outras não vacinadas”, esclarece Vasco Azevedo, lembrando que, em países como os Estados Unidos, há grande número de pessoas desprotegidas devido ao movimento antivacina.
Além disso, estão surgindo novas cepas da bactéria sem o gene tox, ou seja, que não produzem a toxina, não sendo, portanto, alcançadas pelo efeito da vacina, que é toxinogênica. Na Europa e no Japão, há relatos de difteria provocada por outra bactéria, do mesmo gênero e espécie diferente, a Corynebacterium ulcerans, transmitida por gatos e cães. Na Rússia, a doença tem afetado, sobretudo, pessoas de 50 a 70 anos, ou seja, em idades fora das etapas de vacinação, comumente feitas em crianças e idosos. “Será preciso alterar o calendário de vacinação ou fazer uma bivalente, associada à antitetânica, que já é aplicada a cada dez anos”, pondera Vasco Azevedo.
Segundo Syed Jamal, apesar da implementação da imunização generalizada, a difteria continua a ser endêmica em algumas regiões, como o sudeste da Ásia – quatro mil casos foram relatados em surto na Indonésia, em 2010. Ele explica que, diante da crescente resistência aos medicamentos em países de alta cobertura de vacinação, a comunidade científica precisa repensar os tratamentos atualmente disponíveis. É necessário identificar novos alvos terapêuticos, o que pode ser feito com a aplicação da genômica estrutural e funcional.
A doença
A difteria respiratória começa com dor de garganta, febre e formação de membrana cinzenta resistente, que pode comprometer a respiração e levar à morte. Há também ocorrência da difteria cutânea, que surge quando a toxina infecta a pele através de corte ou abrasão. O bacilo é transmitido por contágio direto com doentes ou portadores assintomáticos, pelas secreções nasais ou pela transmissão indireta, com objetos que tenham sido contaminados recentemente por secreções da orofaringe ou de lesões. A incidência da transmissão de difteria costuma aumentar nos meses frios e, principalmente, em ambientes fechados, devido à aglomeração.
Tese: Abordagem integrativa para identificação de alvos terapêuticos no patógeno humano Corynebacterium diphtheriae
Autor: Syed Babar Jamal Bacha
Orientadores: Vasco Azevedo, Artur Luiz da Costa da Silva e Sandeep Tiwari
Defesa: março de 2018