UFMG começa a pôr em prática política de saúde mental
Depois de definir as diretrizes para uma política de saúde mental no âmbito institucional, a Universidade começa a adotar medidas previstas no documento. O primeiro passo foi organizar uma rede interna de acolhimento para o atendimento de pessoas da comunidade com sofrimento mental. Com base nessa estruturação, foi elaborado um fluxo que informa à comunidade universitária o encaminhamento correto das pessoas nessa situação. O fluxo também prevê o atendimento de outros casos de urgência e emergência.
A definição é fruto de trabalho da Rede de Saúde Mental da UFMG, que tem concentrado esforços em duas frentes prioritárias: a instrução sobre a forma correta de agir em casos emergenciais e o investimento em ações que possibilitem uma mudança na cultura institucional, principalmente no que se refere à compreensão da comunidade sobre os sujeitos que passam por alguma forma de sofrimento mental.
“Ainda existe muito estigma em relação às pessoas com sofrimento mental ou que passam por ansiedade aguda devido a uma situação específica. A reação em geral é de desqualificar essa vivência. Precisamos contribuir para mudar esse quadro”, defende Cláudia Mayorga, professora do Departamento de Psicologia e pró-reitora adjunta de Extensão.
A busca por essa mudança está traçada nas diretrizes para uma política de saúde mental para a UFMG, propostas em relatório da Comissão Institucional de Saúde Mental (Cisme), publicado em outubro de 2016 e disponível no site da Pró-reitoria de Extensão (Proex). As diretrizes, enfatiza Cláudia Mayorga, foram definidas com base em “uma escuta muito detalhada e qualificada”.
Segundo ela, o trabalho se deu em intenso diálogo com a comunidade acadêmica, por meio de reuniões com estudantes e professores de graduação e de pós-graduação, com servidores técnicos e pessoas que atuam no atendimento ao público. A própria Rede de Saúde Mental da UFMG é uma iniciativa da Pró-reitoria de Extensão que busca articular grupos, núcleos e laboratórios de ensino, pesquisa e extensão atuantes no campo da saúde mental com uma agenda de trabalho comum, baseada nos princípios da interdisciplinaridade e do diálogo com os usuários e sujeitos do sofrimento mental.
Além da definição do fluxograma de atendimento em saúde, Cláudia Mayorga cita outras iniciativas que atestam que a Universidade começa a se apropriar das diretrizes e incorporá-las nas suas ações cotidianas, como a criação do Núcleo Prae de Escuta aos Estudantes, da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis, “primeira iniciativa fruto desse conjunto de debates”.
“O objetivo é acolher as mais diversas demandas de estudantes de graduação e de pós-graduação relacionadas a questões acadêmicas e a situações de violência e de sofrimento mental”, afirma a pró-reitora adjunta, lembrando que o Núcleo conta com corpo técnico bastante preparado, formado por psicólogos e assistentes sociais, que analisa as demandas para decidir sobre o melhor encaminhamento.
Nos casos de sofrimento mental, a equipe estabelece se o aluno deve ser encaminhado para os serviços de saúde mental do município que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou ainda a projetos acadêmicos desenvolvidos na Universidade.
Inspiradas na iniciativa da Prae e na experiência da Faculdade de Medicina, que já conta com núcleo de escuta acadêmica há algum tempo, outras unidades acadêmicas têm-se organizado para constituir serviço similar. “Isso é exemplo de como a cultura institucional pode ir se transformando”, ressalta Cláudia Mayorga.
Ela enfatiza a necessidade de uma sensibilização institucional, sobretudo no contexto mundial de desesperança diante da perda de direitos trabalhistas e sociais, em que a incerteza tem sido elemento de produção de angústia entre os estudantes. “Os jovens que escolheram a universidade se questionam se vale a pena investir tanto sem saber se vai haver concurso público ou se terão aposentadoria”, comenta a professora, acrescentando, contudo, que a ansiedade e o sofrimento mental resultam de uma série de fatores, não havendo uma relação direta de causa e efeito.
Pressão
Em situações de grande pressão, sofridas sobretudo pelos alunos de pós-graduação, diante dos prazos e metas a cumprir, a Pró-reitoria de Pós-graduação tem buscado preparar os coordenadores de curso para lidar com o tema. “A intenção é sensibilizar as coordenações para que fiquem atentas e não tenham preconceito com os alunos que estejam nessa situação. A ansiedade é um fator concreto e precisamos construir formas de lidar com isso”, diz a professora.
Nos cursos de graduação, onde também há número expressivo de pedidos de trancamento de matrícula, vem sendo desenvolvido trabalho de preparação dos coordenadores. “Se o estudante tem algum tipo de sofrimento e é acolhido por uma coordenação sensível, fica mais fácil superar as dificuldades”.
A UFMG também tem-se manifestado nos fóruns da área para evidenciar que o próprio sistema nacional de pós-graduação pressiona os estudantes, uma vez que um dos critérios para avaliar o bom desempenho dos programas é o cumprimento do prazo de defesa de teses e dissertações. Para a professora, trata-se também de uma importante frente de ação, ao problematizar uma postura que pode levar os estudantes a ficar mais paralisados do que motivados para continuar suas pesquisas.
Integrar é a melhor terapia
A Rede defende que a Universidade atue também na perspectiva da prevenção, com base em princípio da Saúde Mental, segundo o qual o melhor tratamento é a integração do sujeito com sofrimento mental e não seu isolamento.
“Nessa perspectiva, têm sido adotadas ações preventivas que convidam essas pessoas a vivenciar a Universidade além da sala de aula, com eventos culturais, como o Domingo no campus, e acadêmicos, como ações e projetos desenvolvidos pela Prae, que podem ajudá-los a se integrar cada vez mais na vida da comunidade”, comenta Cláudia Mayorga.
A professora anuncia outra iniciativa, prevista para os próximos meses: a elaboração de cartilha que informe detalhadamente o que é sofrimento mental, com o intuito de subsidiar o enfrentamento desse estigma.