Ilustradora da ciência
Com suas aquarelas, servidora do ICB dá forma visual a pesquisas nas áreas de zoologia e botânica
Durante três dias, no final de outubro, o Carrousel du Louvre, subsolo do museu que é talvez o mais conhecido do mundo, recebeu exposição de arte contemporânea que contou com um estande do Brasil. Quatro das obras exibidas em Paris – aquarelas que hoje compõem um catálogo que eterniza o projeto – levam a assinatura da ilustradora científica Rosa Maria Alves Pereira, vinculada ao ICB.
Para Rosa, a participação na mostra foi muito importante, não só porque significa reconhecimento ao seu trabalho, mas, sobretudo, porque valoriza uma especialidade que ela tem-se esforçado, com sucesso, para ajudar a consolidar no Brasil. Além de dar forma visual a pesquisas desenvolvidas no ICB, Rosa coordena cursos de extensão na Universidade e já contribuiu para a formação de centenas de ilustradores.
Tanto a rotina de Rosa Alves quanto as grades dos cursos favorecem o trabalho de campo. "É um privilégio observar a natureza, trabalhar em contato direto com a vida", afirma ela, para quem o desenho pode mostrar mais que a fotografia. A ilustradora comenta que é possível eliminar ruídos, destacar o que é mais importante e criar uma narrativa com a sequência dos eventos que envolvem uma planta, por exemplo.
"São histórias desconhecidas para a maioria das pessoas, que não têm tempo para a observação cuidadosa. O processo em que uma planta dá flor e fruto é lento, complexo e completo. E é importante dar atenção ao ambiente, à relação das plantas com os animais e entre si", diz Rosa, que fala de seu trabalho com entusiasmo sereno e acrescenta que tem se dedicado às espécies brasileiras, sobretudo aquelas em extinção.
Coleções e artigos
Nascida em Uberlândia (MG), Rosa Alves é servidora da UFMG desde 1982 – passou mais de 20 anos trabalhando na área de comunicação visual. Chegou ao ICB em 2004, convidada para reproduzir espécimes das diversas coleções e ilustrar artigos para periódicos. Como ouvinte, cursou disciplinas das áreas de botânica e zoologia, sempre relacionadas à morfologia e à anatomia. "Aprendi muito com os pesquisadores", ela faz questão de frisar.
Licenciada em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG, Rosa especializou-se em História da Cultura e da Arte, na Fafich, e fez nova pós-graduação na Escola Nacional de Botânica Tropical, no Rio de Janeiro. Para o mestrado, viajou a Portugal: no Instituto Superior de Educação e Ciência, de Lisboa – que promoveu o curso com a Universidade de Évora –, apresentou pesquisa sobre o naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, que liderou expedições na Amazônia e no Cerrado do Mato Grosso, no fim do século 18. Em sua temporada em Portugal, Rosa desenvolveu metodologia para reconstituir plantas vivas com base nas chamadas exsicatas (os espécimes secos e prensados).
No ICB, ela impressiona e influencia colegas como o biólogo Alessandro Lima, que lida, sobretudo, com coleções de invertebrados. Ele faz o curso de extensão em ilustração científica, mas já participou de capacitação mais curta e colaborou com Rosa Alves em projeto na Fiocruz. "Ela realiza um trabalho fundamental para a comunicação da pesquisa, e me espanta a paciência com que está sempre pronta a ajudar e a esclarecer dúvidas, mesmo as que se repetem", elogia.
A professora Rosy Isaias, do Departamento de Botânica, conta que sempre gostou de desenhar e que participou de um dos primeiros cursos de extensão em ilustração científica. "Foi uma experiência muito interessante, e o contato com a Rosa tem aprimorado, com certeza, minha capacidade de atenção e observação dos detalhes", diz a ex-aluna, que destaca a paixão da ilustradora pelo que faz. "Ela está sempre buscando conhecimento técnico que sirva de base para seu trabalho."
Residência em Brumadinho
Prestes a se aposentar, Rosa vai abrir espaço na UFMG, possivelmente, para um de seus pupilos. E pelo menos um grande plano ela revela: está montando um apartamento em Brumadinho, a três quilômetros do Instituto Inhotim, onde vai morar e receber artistas e pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, por períodos de até dois meses. "Residências desse tipo são comuns no exterior. As pessoas precisam de espaço apropriado para se concentrar e se dedicar por um tempo mais longo", justifica a ilustradora, que tem uma filha, também apaixonada pela natureza, embora por um viés diferente: faz escaladas.
Rosa Alves vai deixar a rotina na UFMG, mas não pretende abandonar sua arte, nem o esforço pelo fortalecimento da ilustração científica. Ela se envolve ativamente, desde 2006, na organização de encontro nacional que chegará à quinta edição no próximo ano.
"Nos últimos dez anos, aumentou o número de cursos e publicações. Devemos reunir 200 pessoas em 2016. Hoje, os cientistas estão mais atentos à ilustração científica. Além disso, ciência e arte nunca estiveram tão próximas, elas se complementam como áreas do saber", afirma Rosa Alves Pereira, que declara a preferência pela aquarela, pois é "vista como arte e tem maior poder de sensibilizar as pessoas e evidenciar a riqueza da biodiversidade".