Ritos fúnebres em narrativas
Livro de professor da Fafich analisa funerais de presidentes pós-1930 do ponto de vista do imaginário político
Os funerais de presidentes do período republicano, tema pouco revisitado pela historiografia brasileira, são o fio condutor de livro escrito pelo professor Douglas Attila Marcelino, do Departamento de História, que será lançado nesta terça, 22, no Rio de Janeiro, e no dia 2 de abril, em Belo Horizonte.
A obra O corpo da Nova República (FGV Editora) é fruto de tese defendida em 2011, no Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, que recebeu o prêmio Anpuh-Rio de Pesquisa Eulália Maria Lahmeyer Lobo. O trabalho deriva do esforço do autor para incitar a reflexão sobre os funerais de presidentes brasileiros do período pós-1930 e as formas de construção de narrativas sobre esse tipo de evento, o que trouxe à discussão os modos de representação do passado e as disputas pelo imaginário político.
A pesquisa trata principalmente dos funerais de Tancredo Neves, mas aborda também os funerais de presidentes brasileiros do pós-30, começando com Getúlio Vargas. “Considero esses rituais não apenas como momentos de redefinição e disputa pela memória nacional, mas também de ritualização do poder, em que o próprio sentido da comunidade política como construção imaginária foi posto em questão. Esses eventos são momentos importantes para captarmos as próprias reformulações da cultura política republicana”, explica Marcelino.
O livro propõe um estudo dos rituais centrado não apenas nas intenções políticas dos formuladores dos cerimoniais, mas também num diálogo entre a história e campos como a antropologia interpretativa e a filosofia política. Duas preocupações do professor foram a maneira de contar essas histórias e as complexas relações entre eventos e narrativas fundadoras da nacionalidade. “Essa última questão envolveu o modo como eu poderia contar a história de eventos bastante recentes, como os funerais de Tancredo. É um desafio muito grande o estudo de um fenômeno tão recente. Como causar estranhamento em relação a um passado tão familiar?”.
Representante da nação
Douglas Marcelino direcionou o olhar também aos funerais de presidentes como Getúlio Vargas, João Goulart e Juscelino Kubitschek, além de generais-presidentes do período da ditadura militar. “Há uma diferença muito forte entre esses presidentes. Vargas é o primeiro que incorpora mais efetivamente a imagem de representante da nação, que constrói identificação mais intensa com as pessoas, o que se percebe na reação delas em seu funeral. Algo parecido ocorre com Jango e JK. No regime militar, houve despersonalização do poder. Tancredo ocupou esse vazio simbólico criado pela ditadura militar e passou a encarnar de modo mais intenso a imagem de representante da nação”, afirma o autor.
“Alguns analistas da literatura de cordel constataram que a quantidade de folhetos sobre a morte de Tancredo ultrapassava a produção sobre figuras lendárias como Lampião. Talvez só a morte de Getúlio Vargas tenha inspirado tantos folhetos”
A obra propõe um diálogo com a antropologia de Clifford Geertz. “Com base na noção de descrição densa, que busca os sentidos das ações, olhamos para os rituais para entender aquilo que está em disputa – no caso, uma disputa pelo corpo político da nação como construção simbólica, já que a morte de Tancredo Neves tornou o lugar do poder vazio depois de intensa projeção dos símbolos nacionais sobre sua figura pública. É possível perceber que a disputa não era pelo corpo físico, mas pelo corpo político da nação, o que apareceria nos seus funerais e nas narrativas produzidas sobre eles”, explica Marcelino.
No estudo das diferentes narrativas sobre o evento, o pesquisador analisou uma edição especial do Jornal Nacional, um livro produzido por Marlyse Meyer e Maria Lucia Montes em 1985 e folhetos de cordel sobre a morte de Tancredo Neves. “Alguns analistas da literatura de cordel constataram que a quantidade de folhetos sobre a morte de Tancredo ultrapassava a produção sobre figuras lendárias como Lampião. Talvez só a morte de Getúlio Vargas tenha inspirado tantos folhetos”, afirma. Os elementos contidos nas narrativas desses funerais mostram a construção de uma imagem do povo brasileiro, que se tornaria o personagem central dessas narrativas.
Livro: O corpo da Nova República: funerais presidenciais, representação histórica e imaginário político
Autor: Douglas Attila Marcelino
Editora: FGV
486 páginas / R$ 55 (preço de capa)
Lançamento: dia 22, na Blooks Livraria (Rio), e dia 2 de abril, na Quixote Livraria e Café (BH)