Em honra da voz
Cantora lírica Maria Lúcia Godoy é a 21ª personalidade a receber o título de Doutor Honoris Causa da UFMG
Sua voz foi comparada, pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, ao ouro de Minas. Por Ferreira Gullar, a um pássaro voando. A cantora lírica Maria Lúcia Godoy, grande divulgadora da música brasileira em todas as suas manifestações, será agraciada com o Doutor Honoris Causa, maior título honorífico da UFMG. A solenidade será realizada nesta quinta-feira, 15, às 17h, em sessão solene e pública do Conselho Universitário, na Sala de Sessões da Reitoria, como parte das comemorações dos 90 anos da UFMG, que tiveram início na semana passada e se estendem até setembro de 2017.
“Confesso, com o coração repleto de alegria, que jamais almejei esse título, que me deixa imensamente comovida”
Aos 92 anos, a artista afirma que recebeu, “com grande surpresa, muita satisfação e orgulho, a notícia de outorga do título concedido pela UFMG, por meio da Escola de Música”. E completa: “Confesso, com o coração repleto de alegria, que jamais almejei esse título, que me deixa imensamente comovida”.
Nascida em Mesquita (MG), em 1924, Maria Lúcia Godoy graduou-se em Letras Neolatinas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, atualmente Faculdade de Letras da UFMG. Em 2002, recebeu a Medalha de Honra do Programa Sempre UFMG Ex-alunos. A cantora fala de sua “gratidão eterna” pela “querida Universidade” e destaca que o curso muito a auxiliou na interpretação de músicas de outras nacionalidades. “Tive excelentes professores, entre os quais destaco o formidável Eduardo Frieiro, que me passaram conhecimentos e saberes indispensáveis à minha formação profissional e pessoal, abrindo-me novos e belos horizontes”, comenta.
Para o professor Mauro Chantal, que saudará a cantora na solenidade de entrega do título, a indicação de seu nome para a homenagem tem como alicerce o trabalho realizado em prol da cultura musical do Brasil. “Por seu esforço contínuo, ao longo de mais de cinco décadas, para que a música brasileira chegasse a todos os continentes, por meio de inúmeros discos gravados, ou por incontáveis concertos, ela pode ser considerada o estandarte da canção de câmara brasileira”, ressalta. “Maria Lúcia Godoy se destacou como intérprete única da canção de câmara brasileira, e seu nome é referência para estudo desse material, por sua dicção perfeita e atributos musicais inquestionáveis”, afirma ele. Mantendo a mesma desenvoltura na ópera, na canção ou no recital de câmara, ela gravou várias composições de Villa-Lobos, estabelecendo novo padrão de interpretação vocal de sua obra.
Saraus e cinema
A trajetória da artista começou ainda na adolescência, com declamações poéticas em saraus realizados pela família Godoy em Belo Horizonte. Mais tarde, já graduada, foi cronista do jornal Estado de Minas por 11 anos. Poetisa, teve parte de sua obra publicada em livros como Ninguém reparou na primavera (Editora Lê) e Um passarinho cantou (Editora Rio Gráfica), ambos de 1985. Sua voz esteve presente em vários momentos importantes da história do país, como a solenidade de inauguração de Brasília, em 1960, a convite do presidente Juscelino Kubitschek, e durante a cerimônia de translado dos restos mortais de D. Pedro I ao Brasil, em 1972, no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa.
Ao longo de sua carreira, a cantora se apresentou em países da Europa, no Japão, nos Estados Unidos, no Oriente Médio e na América Latina, sempre interpretando obras brasileiras. Soprano solista, foi regida por nomes como Isaac Karabtchevsky, Henrique Morelenbaum, Mário Tavares, Johannes Hoemberg e Roberto Duarte, em orquestras de renome internacional. Sua arte a levou ainda para o cinema, tendo participado, como atriz, de filmes como Os senhores da terra (1970), de Paulo Thiago; Navalha na carne (1997), de Neville de Almeida; Poeta de 7 faces (2002), de Paulo Thiago, e Glauber, o filme – Labirinto do Brasil (2003), de Sílvio Tendler.
O título
Concedido por iniciativa do Conselho Universitário ou por sugestão de uma das congregações da UFMG, o título de Doutor Honoris Causa se destina a brasileiros ou estrangeiros cujo trabalho seja de especial relevância para a cultura, a educação ou a ciência. Em seus 90 anos de história, a UFMG concedeu seu maior título honorífico a 21 personalidades, já incluindo Maria Lúcia Godoy. Quatro agraciados não chegaram a receber a honraria: o poeta Carlos Drummond de Andrade, o economista Celso Furtado, o arquiteto Oscar Niemeyer e o compositor e escritor Chico Buarque de Holanda.
“Nenhuma falsa modéstia inspirou esta afirmação."
A indicação de Carlos Drummond de Andrade ocorreu em 1973. O escritor demonstrou resistência em ser alvo do que chamou de “honraria indevida”, e problemas de saúde o impediram de recebê-la. “Nenhuma falsa modéstia inspirou esta afirmação. Ela é antes motivada pela concepção, que tenho, da importância e especificidade da missão universitária”, justificou em carta à Universidade. Ao fim da mensagem, pediu à UFMG que aguardasse “ocasião propícia” para formalizar a entrega, alegando que sua saúde o impedia de viajar a Minas naquele momento.
Em 1987, por ocasião das comemorações dos 60 anos da UFMG, o então reitor Cid Veloso pretendia enviar ao Rio de Janeiro uma comissão especial do Conselho Universitário para, enfim, entregar o diploma a Drummond. Mas a morte do escritor, em agosto daquele ano, frustou os planos da Universidade.