Palavra e silêncio
UFMG sedia simpósio internacional que relaciona estudos da linguagem e do discurso às diferentes manifestações da desigualdade
Nesta semana, a líder indígena Sonia Guajajara, de Imperatriz, Maranhão, faz a conferência inaugural do IV Simpósio Internacional sobre Análise do Discurso, que será realizado no campus Pampulha. Em outro momento do evento, o linguista Patrick Charaudeau, da Universidade de Paris 13 e diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França, vai questionar a possibilidade de solucionar as desigualdades no (e pelo) discurso. De naturezas tão diferentes, as intervenções simbolizam à perfeição, e de forma complementar, o espírito do evento, que tem como tema Discursos e desigualdades sociais.
De 14 a 17 de setembro, pesquisadores e estudantes brasileiros e estrangeiros, de diferentes correntes dos estudos do discurso, das ciências da linguagem e de disciplinas próximas, vão abordar as articulações dos discursos com as desigualdades, que vão além das socioeconômicas. O objetivo é tratar das desigualdades étnicas, de gênero, profissionais, religiosas, educacionais, entre muitas outras.
De acordo com os organizadores, em texto que apresenta o simpósio, “não se trata de discutir apenas a desigualdade social nos seus aspectos políticos, ideológicos e econômicos, mas de identificar e investigar a função e a representação da desigualdade na (e pela) linguagem, bem como seus modos de funcionamento nas diferentes práticas discursivas”.
O simpósio é promovido pelo Núcleo de Análise do Discurso (NAD) da UFMG, vinculado à Faculdade de Letras (Fale), criado há 24 anos e responsável pela publicação de 15 livros e inúmeros artigos. O grupo trabalha em parceria com universidades francesas, como Paris-Est Créteil, e organiza o evento na UFMG desde 1997 (as outras edições foram em 2002 e 2008). Em 2011, a UFMG também sediou o Congresso da Associação Latino-americana de Estudos do Discurso.
Identidades e linguagem
Na perspectiva das desigualdades, os estudiosos da área se dedicam à questão do poder sobre o discurso: a quem se dá a palavra, quem é silenciado, quem tem a legitimidade do uso da palavra. “Um dos problemas que aparecem com mais força na atualidade está relacionado às identidades. No mundo inteiro, as reivindicações, que antes se referiam a diferenças de classe social, hoje estão ligadas a identidades e alteridades. E isso se reflete no discurso”, comenta o professor Wander Emediato, coordenador do NAD e um dos coordenadores do simpósio, com as professoras Gláucia Muniz Proença Lara e Ida Lucia Machado, também da Fale.
Os linguistas se preocupam, entre muitos outros aspectos, com a seleção lexical (é diferente, por exemplo, quando se fala de um ato de grupos sem-teto, dizer que ocuparam ou invadiram um prédio), a hierarquização temática num jornal, as características de relações entre professor e aluno, o uso de estereótipos e clichês, que simplificam, generalizam e mostram como, no discurso, o outro é representado e hierarquizado.
“A adesão à proposta foi extraordinária, e vamos receber pesquisadores de todos os continentes”
De acordo com Emediato, é a primeira vez que se organiza um congresso dessa magnitude – são mais de mil participantes inscritos –, tão concentrado na temática da relação entre discurso e desigualdade, abordagem que atraiu tantos participantes em função de sua própria originalidade. “A adesão à proposta foi extraordinária, e vamos receber pesquisadores de todos os continentes”, diz o professor: “Isso se explica, em parte, pela grande visibilidade atual de impasses como o das migrações em massa e das desigualdades sociais no mundo”, acrescenta.
Outras informações estão disponíveis no site do Núcleo de Análise do Discurso da UFMG e no site do evento.
A política, o excluído, e as narrativas
Três livros organizados por pesquisadores do NAD serão lançados no dia 14, às 18h, no Centro de Atividades Didáticas 2 (CAD2)
Análises do discurso político (Ed. Fale) reúne artigos que procuram atualizar a abordagem dessa prática discursiva. De acordo com Wander Emediato, que organizou o volume, embora o discurso político não goze do mesmo prestígio que nos anos 1960, ainda é muito relevante para a investigação científica. “A natureza heterogênea das perspectivas presentes neste livro evidencia a intensidade e a complexidade do discurso político como objeto de estudos”, afirma Emediato.
“O objetivo é mostrar que a História também pode ser contada do ponto de vista do dominado”
Representações do outro: discurso, (des)igualdade e exclusão (Editora -Autêntica) atravessa domínios como mídia, literatura e política para revelar as imagens dos sujeitos usualmente destituídos de fala, seja em seus próprios discursos ou no de seus porta-vozes. “O objetivo é mostrar que a História também pode ser contada do ponto de vista do dominado”, explica Gláucia Lara, organizadora da obra com Rita Lamberti, da Universidade Federal da Grande Dourados (MS).
Estudo sobre as narrativas em diferentes materialidades discursivas na visão da análise do discurso (Ed. Fale) explora as narrativas políticas, biográficas, religiosas, midiáticas e em diferentes perspectivas e práticas discursivas. O e-book é organizado por Ida Lucia Machado, também da Fale, e Mônica de Souza Melo, da Universidade Federal de Viçosa.