Estupidamente falsificada
Pesquisadores desenvolvem método para detectar fraudes em marcas de cervejas nacionais
A falsificação de cervejas, crime comum no país, ocorre quando há troca dos rótulos e tampas das garrafas: os falsificadores fixam rótulos de marcas mais caras em garrafas que acondicionam marcas mais baratas da bebida e usam uma máquina específica para trocar as tampinhas. Em grande parte das apreensões, as garrafas de cerveja falsificadas são enviadas aos fabricantes para que a fraude seja comprovada.
Para que a própria Polícia Civil e outros órgãos reguladores consigam analisar as amostras apreendidas, de maneira rápida e eficiente, um grupo de pesquisadores do Departamento de Química da UFMG desenvolveu um método que analisa as amostras da bebida usando a técnica de espectrometria de massas com ionização por paper spray (PS-MS).
A técnica, que consiste em submeter as amostras de cerveja a uma análise de poucos segundos em um espectrômetro de massas, foi descrita no artigo Espectrometria de massas com ionização por paper spray e análise discriminante por mínimos quadrados parciais (PLS-DA) aplicadas para a identificação de cervejas falsificadas, publicado recentemente na revista Analytica Chimica Acta.
“A PS-MS foi desenvolvida em 2010 por um grupo de pesquisa -norte-americano da Purdue University, nos Estados Unidos. É uma técnica consolidada que pode ser aplicada em análises químicas de vários tipos de amostras complexas, como tecidos e fluídos biológicos, alimentos, petróleo e fármacos. O desenvolvimento da PS-MS simplificou uma das etapas mais trabalhosas do processo de análise, que é o preparo das amostras. Decidimos empregar a técnica para a análise das cervejas por ela ser barata, rápida e simples de ser aplicada”, explica o pesquisador Hebert Vinicius Pereira, doutorando do Programa de Pós-graduação em Química da UFMG.
O grupo de pesquisadores analisou 141 garrafas de oito marcas de cervejas nacionais do estilo Standard American Lager. São marcas amplamente consumidas no Brasil e alvos preferenciais de fraudadores. “Usamos o espectrômetro de massas para detectar moléculas presentes nas amostras em suas formas ionizadas, ou seja, carregadas eletricamente. O espectrômetro de massas atua como uma balança capaz de diferenciar e detectar diferentes moléculas carregadas de acordo com suas massas”, afirma Victoria Silva Amador, doutoranda da Pós-graduação em Química da UFMG.
As cervejas desse grupo são de sabores muito parecidos, o que torna a diferenciação -difícil quando os testes consideram apenas esse aspecto. Como o fator que distingue uma cerveja da outra é a sua composição química, o instrumento consegue identificar amostras que não pertencem à mesma marca ao detectar os açúcares residuais resultantes do processo de fabricação da bebida.
“O grão de malte contém amido, que é um açúcar complexo. Na produção de cerveja, esse amido é solubilizado em água e, posteriormente, quebrado em açúcares menores. Nessa etapa, são produzidos os açúcares que serão fermentados pelas leveduras. Dependendo das condições de operação de cada cervejaria, temos um perfil dos açúcares gerados, e o instrumento consegue detectar essa distribuição”, explica Pereira.
Depois que as amostras são analisadas pelo aparelho, o grupo faz uma análise estatística dos resultados obtidos por meio de modelo matemático capaz de prever se a cerveja pertence ao grupo de bebidas de alto ou baixo valor comercial. “A composição química de algumas das marcas examinadas é similar, o que exige uma análise dos dados por meio de técnicas de estatística multivariadas para identificar padrões na composição que nem sempre são evidentes pela inspeção visual dos espectros obtidos”, diz Marcelo Martins de Sena, professor do Departamento de Química da UFMG e um dos orientadores do estudo.
‘Negócio rentável’
Segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), o Brasil figura entre os três maiores produtores mundiais da bebida, com cerca de 14 bilhões de litros por ano. A grande variedade de marcas, a diferença de preços entre os fabricantes e o padrão da garrafa de 600 ml usado no país tornam a falsificação um negócio rentável.
“As cervejas mais consumidas no país têm sabor muito parecido. O falsificador compra bebidas de baixo valor e troca pelo rótulo de cervejas mais caras e com maior volume de vendas”, afirma o professor Evandro Piccin, professor do Departamento de Química e orientador do trabalho. Segundo o professor Rodinei Augusti, do mesmo departamento e também orientador da pesquisa, o estudo relatado no artigo favorece o uso de uma metodologia que protege os consumidores, “além de ter potencial para ser empregado em análises de outros tipos de amostras de interesse da indústria alimentícia”.
Química forense
O estudo que analisou as amostras de cerveja foi desenvolvido no âmbito da linha de pesquisa em Análise Química Forense do Departamento de Química da UFMG. O projeto, que teve início em 2015, envolve parcerias com as polícias Federal e Civil para análises de amostras apreendidas de alimentos, bebidas e drogas.
A linha é desdobramento de um projeto nacional destinado à formação de recursos humanos na área de ciências forenses, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes).
Artigo: Paper spray mass spectrometry and PLS-DA improved by variable selection for the forensic discrimination of beers.
Autores: Hebert Vinicius Pereira, Victoria Silva Amador, Marcelo Martins de Sena, Rodinei Augusti e Evandro Piccin
Publicado em outubro de 2016 na revista Analytica Chimica Acta e disponível aqui.