Rotas dos novos minérios
Pesquisa de doutorado segue os passos dos mineralogistas Vieira Couto e Barão de Eschwege, que procuraram salitre e chumbo nas Minas Gerais do sé
Na passagem para o século 19, esgotavam-se as fontes de ouro e diamante em Minas Gerais, e a Coroa portuguesa começou a incentivar a procura por outros minérios com potencial de geração de riquezas. Um brasileiro e um alemão se destacaram entre os mineralogistas convocados para essa missão, mas suas rotas ainda são pouco conhecidas. Luciano Faria, doutorando do Programa de Pós-graduação em Química, alia trabalho de campo, análises de laboratório e pesquisa histórica para traçar os caminhos percorridos por José Vieira Couto e pelo Barão de Eschwege, que encontraram salitre e chumbo em terras mineiras.
Vieira Couto, nascido no Arraial do Tijuco (atual Diamantina) e formado em ciências e matemática na Universidade de Coimbra, Portugal, saiu do norte de Minas em direção a localidades como Serra do Cipó, Cordisburgo e Baldim. Encontrou em cavernas da região o minério responsável pela obtenção do salitre, o nitrato de potássio ou KNO3, subproduto da decomposição de material orgânico no interior de cavidades. O salitre é o principal componente (75%) da pólvora. “Couto propôs a extração e o beneficiamento do salitre, que tinha importância estratégica para a indústria bélica e servia a demolições e abertura de minas”, afirma Luciano Faria, graduado e mestre em Química pela UFMG.
Couto menciona uma série de grutas – Lapa da Forquilha, Gruta das Perobas e Lapa Vermelha – no que hoje se conhece como serra do Baldim, onde o salitre foi extraído e beneficiado, na boca das cavernas ou em salitreiras especialmente construídas. Misturado com argila, o minério era lavado, e o nitrato de cálcio resultante, misturado a cinzas de árvores. Uma nova lavagem fazia o nitrato de cálcio absorver o potássio, para transformar-se no KNO3 .
“Algumas fontes informam sobre a exportação do salitre para o Rio de Janeiro, para abastecer uma fábrica de pólvora na Lagoa Rodrigo de Freitas. Tento confirmar se esse material seguia também para uma fábrica em Ouro Preto. E já encontrei cartas de fazendeiros à Comarca de Ouro Preto, solicitando autorização para produzir pólvora visando combater os índios Botocudos”, conta Luciano Faria.
Chumbo nos sertões
O próprio José Vieira Couto chegou à região conhecida no passado como “Sertões do Abaeté” (nos arredores da atual Patos de Minas) e encontrou a galena, depósito mineral de chumbo e enxofre (PbS). O Barão de Eschwege, que aportou no Brasil em 1810, logo após a instalação da família real portuguesa no Rio de Janeiro, foi quem iniciou a exploração desse minério. “Ele chegou a tentar fazer funcionar uma fábrica de chumbo, que não se mostrou rentável, por causa da distância e das chuvas que deixavam as estradas intransitáveis e os rios impossíveis de navegar”, comenta Luciano Faria, que tem pesquisado em instituições como o Museu do Minho, em Portugal, e o Arquivo Público Mineiro.
“Há muitos escritos sobre o ouro, o diamante e o ferro, e resta muito a descobrir sobre a busca e a exploração de outros materiais”
O pesquisador ouviu histórias de moradores do local sobre a fabricação pelos escravos de peças de chumbo para pesca. Esses relatos, somados a documentos como um mapa de 1880, elaborado por Francisco de Paula Oliveira, a que Luciano teve acesso pelos Anais da Escola de Minas de Ouro Preto, sugerem, de forma consistente, a localização da base do mineralogista alemão construída às margens do Ribeirão da Galena.
“Eschwege chegou como encarregado das minas de ouro em Minas Gerais. Primeiro, ele explora seus conhecimentos de metalurgia para propor formas de aumentar a produção de ouro. Depois, sai em busca de outros minérios e implanta a fábrica Patriótica, em Congonhas, a primeira a verter aço no estado. Após constatar que a produção de chumbo era inviável, interrompeu seu trabalho e voltou à Europa”, conta Luciano Faria.
O orientador da pesquisa, professor emérito Carlos Alberto Filgueiras, do ICEx, exalta o ineditismo do trabalho. “Há muitos escritos sobre o ouro, o diamante e o ferro, e resta muito a descobrir sobre a busca e a exploração de outros materiais”, diz Filgueiras.
Luciano Faria espera que, entre outros frutos, sua pesquisa contribua para o resgate da história e para o traçado de novas rotas turísticas em regiões como as de Baldim e Patos de Minas.