Desvendando os sinais

Alimentação (nada) olímpica

Grupo de pesquisa identifica incongruências entre a prática esportiva e a comida vendida nos Jogos do Rio de Janeiro

Durante os 16 dias em que o Rio de Janeiro sediou os Jogos Olímpicos no ano passado, mais de 2,5 milhões de pessoas passaram pela cidade e circularam pelas arenas, estádios e ambientes onde ocorriam as competições. Nesses locais, a oferta de comida incluía hambúrgueres, cachorros-quentes, pipoca, refrigerantes e cervejas. A falta de alimentos saudáveis em um evento fundamentado na prática esportiva chamou a atenção de um grupo de pesquisadores, que investigou o abismo entre a alimentação proposta pelas diretrizes dos organizadores das Olimpíadas e a comida que era efetivamente vendida durante o evento. O grupo, liderado pelo professor Joe Piggin, da Universidade de Loughborough, conta com integrantes da UFMG e de outras universidades do Brasil, da França e do Reino Unido.

Matheus Milanez e George Cunha: trabalho para associar o esporte à alimentação saudável
Matheus Milanez e George Cunha: trabalho para associar o esporte à alimentação saudável Luana Macieira/UFMG

Inicialmente, o grupo consultou as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e do Comitê Olímpico Internacional (COI), com o objetivo de identificar os tipos de alimentos recomendados por esses órgãos como ideais para oferta em megaeventos esportivos. “As diretrizes eram unânimes ao propor uma alimentação saudável durante a competição, mas percebemos que, na prática, isso não se concretizava. Os órgãos responsáveis pela organização sugerem a venda de alimentos naturais ou minimamente processados. Porém, nos Jogos do Rio 2016, predominaram alimentos processados e de alto valor energético”, explica o pesquisador Matheus Milanez, aluno do Programa de Pós-graduação em Ciências do Esporte da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Oupacional da UFMG (EEFFTO). 

Os oito pesquisadores envolvidos no estudo entrevistaram 30 pessoas que acompanharam as competições olímpicas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belo Horizonte. A intenção das entrevistas era descobrir se o tipo de alimentação que eles esperavam encontrar era ofertada nos locais do evento. “Todos os entrevistados alegaram que esperavam produtos mais saudáveis. Além disso, muitos reclamaram do preço dos alimentos e da água, que eram vendidos por um valor quatro vezes maior que o praticado no mercado”, afirma George Cunha, psicólogo do Centro de Treinamento Esportivo (CTE-UFMG) e membro do grupo que participou do estudo.

“Queremos que essa pesquisa gere frutos para as Olimpíadas de Tóquio, em 2020."

A pesquisa deu origem a um banco de dados, que conta com as informações sobre as entrevistas, as legislações que regem as políticas de venda de alimentos nas Olimpíadas e as regras sobre como deve funcionar o marketing de produtos alimentícios em eventos esportivos. “Queremos que essa pesquisa gere frutos para as Olimpíadas de Tóquio, em 2020.  A intenção é que a alimentação servida ao público durante as competições esteja mais de acordo com o que é pregado pelas diretrizes da OMS e do COI e que os grupos alimentares que patrocinam esses eventos não interfiram tanto nas escolhas dos produtos vendidos”, diz o psicólogo.

George Cunha acrescenta que o grupo pretende, ainda, alertar para a necessidade de que o esporte esteja sempre associado à alimentação saudável. “O esporte e os megaeventos esportivos podem ser promotores de saúde e de valores relacionados à saúde. Quando uma pessoa vai assistir a uma competição e, naquele local, come um sanduíche natural ou uma fruta, ela associa aquele alimento à prática esportiva. Vemos isso como essencial para melhorar a qualidade de vida da população”, conclui.

Origem

O estudo sobre os alimentos vendidos durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro foi desenvolvido pelo grupo Pesquisa em Atividade Física e Nutrição em Megaeventos Esportivos (Phansmer), criado antes dos Jogos do Rio, quando a delegação olímpica do Reino Unido utilizou o Centro de Treinamento Esportivo (CTE) como local de preparação de seus atletas. À época, o professor Joe Piggin e outros pesquisadores de universidades britânicas foram convidados pelo Consulado Britânico de Belo Horizonte para participar de evento científico que trataria dos possíveis legados olímpicos para o Brasil. Piggin então convidou os pesquisadores da UFMG a integrarem o grupo de estudos, que hoje é formado por oito estudiosos do esporte do Brasil, do Reino Unido e da França. A íntegra do estudo está disponível no site phansmerstudy.com.

Projeto: Food for spectators at the Olympic and Paralympic games: an evaluation of health and nutrition claims at Rio 2016

Participantes: Haifa Tlili, Doralice Lange de Souza, Matheus Milanez, George Cunha, Bruno Henrique Louzada, Billy Graeff e Joe Piggin

Luana Macieira