Boletim
Estratégicas para o ecossistema
Com a chancela de Ramsar
Equipe da UFMG elaborou proposta que resultou na designação de parte da Área de Proteção Ambiental Carste de Lagoa Santa em Zona Úmida de Importâ
Há cerca de cinco anos, pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) vinham trabalhando para que uma área na Região Metropolitana de Belo Horizonte, situada nos municípios de Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Matozinhos e Funilândia, fosse reconhecida como “Zona Úmida de Importância Internacional” pela Convenção de Ramsar, da qual o Brasil é signatário desde 1993.
No fim de maio, a área de relevo cárstico – onde o calcário é a rocha matriz – foi finalmente oficializada como Sítio Ramsar pelo Ministério do Meio Ambiente, com a chancela do Comitê Ramsar Internacional. Essa área está situada em uma interseção de Mata Atlântica e Cerrado, considerados hotspots de biodiversidade, ou seja, ecossistemas de grande riqueza de flora e fauna sob ameaça. O novo status reforça a gestão e uso sustentável dos recursos naturais e a preservação da biodiversidade da região nos termos deste tratado intergovernamental.
O Sítio Ramsar fica na Área de Proteção Ambiental Federal Carste de Lagoa Santa. A região possui sítios arqueológicos e paleontológicos ricos em fósseis do período Pleistoceno, abrigos, artefatos e pinturas rupestres de humanos que habitaram a região há milhares de anos, além do famoso fóssil de Luzia, o mais antigo encontrado na América, com cerca de 12,5 mil anos.
A proposta de atribuir o status de Sítio Ramsar a parte da APA Carste de Lagoa Santa foi elaborada pelos professores José Eugênio Côrtes Figueira e Maria Auxiliadora Drumond, do Departamento de Biologia Geral do ICB, junto com os pesquisadores Paula Nóbrega (Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre), Janaina Aguiar (Instituto Estadual de Florestas) e Tulio Dornas (Universidade Estadual de Tocantins), além de profissionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério do Meio Ambiente e do Conselho Consultivo da APA Carste de Lagoa Santa. Essa equipe delineou os termos propositivos do pleito, demarcando cientificamente a importância da área – em especial no que diz respeito à conservação de dezenas de espécies de aves aquáticas encontradas nas inúmeras lagoas temporárias da região, como garças, biguás, marrecos, jaburus, saracuras, ibises, gaviões, pernilongos e maçaricos.
Secas e cheias
Segundo José Eugênio, essas aves se deslocam entre as lagoas à medida que secam ou se enchem de água. “Muitas dessas aves são migratórias e vêm de regiões alagáveis de Minas Gerais e de outros estados do Brasil”, afirma. A grande variedade de espécies encontradas na região está associada aos ciclos anuais ou plurianuais de secas e cheias, que determinam constantes mudanças na área e profundidade das lagoas, cuja vegetação alterna entre aquática e terrestre. Esse ambiente favorece a oferta de diferentes tipos de alimento para as aves, como peixes, moluscos, insetos aquáticos e terrestres e plantas aquáticas. “Essas lagoas temporárias também fazem do local ponto de parada de aves migratórias que chegam de regiões mais setentrionais do Hemisfério Norte, como o maçarico-grande-de-perna-amarela”, exemplifica José Eugênio Figueira.
As lagoas temporárias formam-se em depressões do relevo cárstico, e seus ciclos de secas e cheias estão relacionados à sua extensão e profundidade, ligações com o endocarste e quantidade e regularidade das chuvas que recarregam os lençóis freáticos. “Trata-se de uma das regiões brasileiras mais importantes em termos de paisagem cárstica carbonática”, explica José Eugênio, aludindo ao processo histórico de corrosão de rochas que resultou nessa topografia.
Por sugestão da equipe de pesquisadores, o Sítio Ramsar da APA Carste de Lagoa Santa foi denominado Lund-Warming, em homenagem aos naturalistas dinamarqueses Peter Lund e Johannes Eugenius Warming, que, no século 19, tornaram a região internacionalmente conhecida pela paleontologia e pela botânica.
Histórico
As ações do grupo de pesquisadores do ICB para viabilizar a formalização do Sítio Ramsar de Lagoa Santa remontam a 2012, quando o professor José Eugênio enviou um primeiro e-mail ao Ministério do Meio Ambiente descrevendo a região, as lagoas e suas aves, com o objetivo de sensibilizar o órgão para a necessidade de buscar seu reconhecimento internacional. A partir de então, começaram as negociações, com o investimento espontâneo do grupo de pesquisadores na formulação do embasamento técnico para comprovar a importância e o enquadramento da região na perspectiva Ramsar.
Na mesma época em que se iniciava essa interlocução, a então doutoranda Paula Nóbrega, que estudava a avifauna de 19 lagoas temporárias da APA Carste de Lagoa Santa, começou o levantamento da literatura e a usar seus próprios dados de campo para embasar a proposta de designação da região como Sítio Ramsar.
No trabalho, orientado pelo próprio José Eugênio e coorientado por Maria Auxiliadora Drumond, Paula Nóbrega lembra o boom desenvolvimentista que a região experimentou na última década sob a insígnia comercial “vetor norte”, tão alardeada pelas equipes de marketing de grandes construtoras, e seu impacto negativo nos ecossistemas da região. “A degradação de áreas naturais da APA Carste tem sido impulsionada principalmente pela expansão urbana e intensificação de práticas agrícolas e minerárias”, ressaltou a pesquisadora em sua tese defendida no início de 2015.
Com a formalização do Sítio Ramsar, o viés desenvolvimentista que impacta a região estará sob os olhares da comunidade internacional e deverá se submeter aos dispositivos legais vigentes na APA Carste de Lagoa Santa.
Além da Área de Proteção Ambiental Federal Carste de Lagoa Santa, outros seis lugares foram reconhecidos, em maio, no Brasil, como Sítios Ramsar: a Reserva Biológica Guaporé, em Rondônia, o Parque Nacional de Anavilhanas, no Amazonas, o Parque Nacional Viruá, em Roraima, a Estação Ecológica de Taim, no Rio Grande do Sul, a Estação Ecológica de Guaraqueçaba, no Paraná, e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Assim, o Brasil passou a contar com 20 áreas reconhecidas pela convenção, sendo duas em Minas Gerais: o Parque Estadual do Rio Doce e agora a APA Carste de Lagoa Santa
Fornecedoras de serviços ecossistêmicos
A Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, também chamada de Convenção de Ramsar, foi estabelecida em 1971, na cidade do Irã que lhe dá nome. O tratado intergovernamental fornece parâmetros para ações de conservação e para o uso sustentável dos recursos naturais de zonas úmidas consideradas estratégicas para o meio ambiente mundial, dado o seu valor ecológico, social, econômico, cultural, científico e recreativo, fundamentais para a manutenção de serviços ecossistêmicos.
A convenção preconiza, inclusive, a cooperação entre países, com o objetivo de preservar açudes, atóis, brejos, charcos, estuários, lagos, manguezais, pântanos, recifes de coral, represas, restingas, rios, turfas, várzeas e veredas. No mundo, existem pouco mais de
2,2 mil Sítios Ramsar reconhecidos, situados em 169 países.