Inclusão na ponta da língua
Pesquisa da Fale revela que políticas públicas podem estimular a adoção de linguagem não sexista
Reza a gramática tradicional que, quando é preciso fazer referência a homens e mulheres, ao mesmo tempo, devem-se usar nomes flexionados em suas formas masculinas. Já há algum tempo, porém, é fácil perceber, em diversos ambientes, movimento que visa à mudança dessa prática, considerada sexista. O uso dos chamados nomes gerais – pessoa, gente, indivíduo, sujeito, entre outros – é a principal estratégia para a construção de uma língua inclusiva, quando se trata de gênero.
Pesquisa realizada no âmbito da pós-graduação em Estudos Linguísticos, da Faculdade de Letras, mostra que políticas públicas podem ter efeito concreto na direção da mudança. Motivado pela publicação, em 2014, pelo governo do Rio Grande do Sul, do Manual para o uso não sexista da linguagem: o que bem se diz bem se entende, o pesquisador Marcos Paulo Santos constatou uso de linguagem menos sexista nos pronunciamentos dos parlamentares da Assembleia Legislativa gaúcha. Para efeito de comparação, Marcos Paulo, que que se tornou mestre em fevereiro deste ano, também analisou os discursos dos deputados e deputadas estaduais de Minas Gerais.
“Entendemos a publicação do manual como uma das ações que compõem políticas de igualdade de gênero. A utilização de linguagem mais inclusiva no contexto do Parlamento tende a influenciar outros setores da sociedade. Os discursos, ainda que espontâneos, aproximam-se da linguagem escrita, em razão do cuidado que caracteriza as falas naquele ambiente”, diz o pesquisador, ressaltando que a língua também muda no sentido inverso, ou seja, partindo da informalidade para os segmentos mais educados.
Dois momentos
Marcos Paulo coletou discursos realizados em dois momentos: em 2011, antes da publicação do manual gaúcho, e em 2017. Com apoio do software AntConc – que conta e localiza palavras e mede sua frequência, entre outras funções –, ele perscrutou universo de 500 mil palavras. Selecionou 57, entre os termos de vocabulário de compreensão geral considerados mais frequentes pelo programa e que se prestavam às classificações pretendidas pela pesquisa. Esses termos somaram 3.680 ocorrências.
O pesquisador constatou que os nomes gerais compõem uma das principais estratégias de referência a seres humanos considerada inclusiva. Ele encontrou 981 (68,2%) ocorrências de nomes gerais em um total de 1.438 dados classificados como usos mais inclusivos. “Esses nomes foram estratégia muito presente e produtiva na formação de uma língua que elimina o sexismo linguístico”, afirma Marcos Paulo Santos.
Na soma dos discursos das duas casas legislativas, foram encontrados, em 2011, 1.147 ocorrências sexistas; em 2017, foram 1.095. Enquanto no Rio Grande do Sul houve redução (530 contra 418), em Minas essas ocorrências aumentaram (617 para 677). O uso de linguagem inclusiva aumentou nos dois estados.
“Na Assembleia gaúcha, o aumento de usos não sexistas foi acompanhado da redução de usos sexistas, o que não se verificou em Minas Gerais”, diz o pesquisador. “Essa situação indica possivelmente menor preocupação com o uso de uma linguagem plenamente inclusiva em Minas e maior influência das políticas de igualdade de gênero implementadas pelo governo do Rio Grande do Sul”, supõe o pesquisador.
De acordo com Marcos Paulo, a palavra pessoa(s) foi a que apareceu com mais frequência. Isso reflete o hábito dos parlamentares de se referirem dessa forma a cidadãos e cidadãs e o processo de mudança por que passa a palavra, que se torna uma das principais alternativas ao uso do masculino genérico.
Em análise qualitativa, o pesquisador observou estratégias adicionais para evitar o recurso ao masculino genérico, como o uso de substantivos de dois gêneros, como adolescentes e profissionais (sem artigo precedente) e de substantivos sobrecomuns, como vítima e criança; as duplicações (professores e professoras, por exemplo); uso de expressões, como classe trabalhadora e corpo técnico, e pronomes indefinidos, como alguém.
A pesquisa integra projeto que investiga, sob diferentes perspectivas, o uso de nomes para seres humanos, sob orientação do professor Eduardo Amaral.
Dissertação: Sexismo linguístico e nomes gerais: a construção de uma língua inclusiva
Autor: Marcos Paulo Santos
Orientador: Eduardo Tadeu Roque Amaral
Defesa: 14 de fevereiro de 2019, no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos