Partículas erráticas
Comportamento pouco previsível dos nanomateriais desafia laboratório a desenvolver protocolos de uso seguro
A crescente incorporação de nanomateriais ao uso cotidiano desafia pesquisadores de todo o mundo a encontrar métodos para aferir salubridade ambiental e efeitos adversos para a saúde de usuários e de trabalhadores que lidam com esses produtos. Na UFMG, o Laboratório Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS), do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno (CTNano), desenvolve protocolos de uso seguro da nanotecnologia.
“É necessário entender a interação de sistemas biológicos com nanomateriais, cujos efeitos nesses sistemas estão associados a eventos quânticos e de superfície e não respeitam a chamada razão molar”, explica o coordenador do SMS, professor Ary Correa. Isso dificulta a comparação de resultados entre laboratórios, pois a métrica usual de peso/volume é insuficiente para descrever os materiais em estudo.
Segundo ele, é consenso, entre os vários grupos de estudo internacionais, a impossibilidade de definir padrões gerais para o comportamento de nanopartículas. “Um grama de ouro, por exemplo, tem um padrão, isto é, sempre se comporta do mesmo jeito, mas, com nanomateriais de ouro, cada síntese gera partículas com distribuição de tamanhos diferentes. Como a princípio o efeito observado na nanoescala é relativo ao seu tamanho, temos uma somatória de efeitos inerentes a cada síntese. Portanto, a cada vez, estamos tratando com uma substância diversa”, pondera.
Essas substâncias podem ainda mudar de comportamento dependendo do modo como são manipuladas e estocadas, chegando ao extremo de ter a sua morfologia alterada com o tempo – nanopartículas de prata são exemplo desse efeito.
Para lidar com esse problema, os pesquisadores passaram a adotar o chamado material de referência, proposto pelo Joint Research Centre (JRC), agência da comunidade europeia. “Trata-se de material produzido em condições bem determinadas. Não é padrão, porque não é o mesmo em cada síntese, mas é uma referência porque pode ser usada para comparação”, esclarece Ary Correa, que é professor do Departamento de Microbiologia do ICB da UFMG e um dos coordenadores do CTNano.
Ecotoxicologia
Outro aspecto desafiador é o ciclo de vida desses materiais, o que inclui seus efeitos de longo prazo e passivo ambiental permanente. “Estamos falando de coisas muito pequenas e com grande área superficial, que interagem com matéria orgânica com facilidade e que vão se dispersar em grande volume. Depois da liberação, é difícil fazer o rastreamento da nanopartícula”, explica Ary Correa.
Como não é possível esperar décadas para acompanhar os efeitos dos novos materiais, os pesquisadores lançam mão de modelos e bioindicadores que têm valor preditivo. No Laboratório de Ecotoxicologia, a equipe observa parâmetros como mortalidade, fecundidade e efeitos celulares como perioxidação de membrana (indicativo de lesão celular) para fazer inferências, com base em informações já conhecidas.
“Como estamos trabalhando com alguns produtos que têm interesse agronômico, passou a ser também um objetivo nosso aferir toxicidade nesse ambiente, para o qual são escassos os bioindicadores, o que nos levou a desenvolver protocolos”, comenta. Além de trabalhar com um modelo de alga e de um microcrustáceo, o grupo está desenvolvendo modelos com bactéria de solo e plantas superiores.
Essas substâncias podem ainda mudar de comportamento dependendo do modo como são manipuladas e estocadas, chegando ao extremo de ter a sua morfologia alterada com o tempo.
A utilização de nanomateriais em larga escala gerou a necessidade de se desenvolver um marco regulatório para normatizar sua produção e seu uso. No Laboratório SMS, pesquisas regulatórias geram dados que podem subsidiar a legislação a respeito de limites de uso e aplicações. Em outra linha de atuação, os dados obtidos podem auxiliar produtores que vão lidar com nanomateriais a administrar processos, para torná-los mais sustentáveis.
Há, ainda, a pesquisa sobre segurança de quem trabalha no próprio CTNano e na indústria. “Fazemos um levantamento corriqueiro de todo o material particulado circulante, associado à toxicidade laboral. Para cada linha de produção, temos de procurar os pontos críticos de controle, onde devem ser feitas ações mitigatórias”, detalha o professor. A intenção é maximizar a efetividade do produto e diminuir os riscos associados ao seu uso, tanto para quem produz quanto para quem compra.
Consórcios mundiais
Ary Correa explica que o CTNano atua na fronteira entre o produto final de alta tecnologia e a pesquisa acadêmica. “Estamos no meio do caminho, na pesquisa tecnológica, e todo produto é um novo desafio”, comenta. O professor lembra que, há cerca de 15 anos, quando a regulação de nanoprodutos começou a ser discutida, percebeu-se que seria necessário tratar o tema de forma consorciada e em um foro internacional. “Nessa área, não há ninguém trabalhando isoladamente, porque dificilmente vai chegar a um resultado conclusivo”, enfatiza.
Um dos frutos desse consenso é a NanoReg, banco de dados universal gerenciado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne a Comunidade Europeia e o Japão. Ary Correa comenta que produtos com nanotecnologia já estão no mercado mundial e, por isso, tem havido grandes esforços para conhecer e regulamentar sua produção e seu uso: “A Comunidade Europeia financiou vários projetos, e o maior deles é o NanoReg, cujo objetivo é desenvolver os testes toxicológicos para nanomateriais, com o intuito de gerar um banco de dados confiável com os padrões basais para utilização em pesquisa regulatória de nanomateriais.” O Laboratório SMS faz parte desse programa que, no Brasil, é coordenado pelo Inmetro.