Ambiente de obesidade
Pesquisadora investiga como as pessoas são influenciadas pelas características dos estabelecimentos alimentícios no seu entorno
A confluência entre os ambientes físico, econômico, político e sociocultural, geradores de oportunidades que promovem a obesidade, é definida na literatura como “ambiente obesogênico”. “As escolhas alimentares podem ser explicadas por fatores como a disponibilidade, o preço e a variedade dos alimentos no comércio em determinado circuito e também dependem de condições demográficas e sociais”, afirma a nutricionista Patrícia Pinheiro de Freitas. Vinculada ao Grupo de Pesquisa de Intervenções em Nutrição (GIN), do Departamento de Nutrição da UFMG, ela participou de estudo que buscou relacionar a prevalência do excesso de peso ao ambiente obesogênico.
As amostras selecionadas foram as áreas compreendidas em um raio de 1.600 metros em torno de 18 unidades do Programa Academia da Saúde (PAS), em Belo Horizonte. Todos os seus usuários foram investigados. “Os participantes residem perto e circulam nas imediações daqueles centros, que foram escolhidos por serem referência em promoção e vigilância em saúde”, justifica a nutricionista. A pesquisa resultou na tese de doutorado Ambiente alimentar e excesso de peso em usuários do programa Academia da Saúde, defendida no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFMG, no último mês de maio, e também serviu de base para artigo publicado no periódico Nutrition.
Ao longo da pesquisa, foram coletados dados antropométricos e sociodemográficos dos usuários com 20 anos ou mais. Paralelamente, foi feita a auditoria de 298 estabelecimentos, mapeando aspectos como a densidade e os tipos de comércios, bem como suas condições sanitárias e a disponibilidade, diversidade, variedade, publicidade e preço de frutas e hortaliças.
Sacolões e supermercados
No escopo da pesquisa, foram considerados somente os locais onde a população adquire alimentos para serem consumidos em domicílio. “Os sacolões, tidos como estabelecimentos onde se vendem alimentos saudáveis, corresponderam a 61,3% dos comércios mapeados. A maioria deles (60,7%) também comercializa alimentos ultraprocessados”, relata a autora.
De acordo com Patrícia Freitas, outros trabalhos do grupo de pesquisa mostraram que a qualidade e a higiene dos locais estão entre os principais influenciadores para a compra de frutas e hortaliças. “Na auditoria que fizemos, observamos que condições sanitárias e a oferta de alimentos frescos são deficientes na maioria dos estabelecimentos, o que pode dificultar o acesso”, observa.
A baixa variedade de hortaliças nos comércios foi associada à maior ocorrência de excesso de peso. “Isso mostra a importância da oferta de alimentos saudáveis. Os estabelecimentos investigados também apresentaram elevada disponibilidade de alimentos ultraprocessados e fácil acesso a eles. Além disso, contribuem para seu consumo estratégias como as propagandas que remetem à praticidade, baixo custo e sabor agregado, sem o esclarecimento sobre valores nutricionais”, observa a pesquisadora. Segundo Patrícia Freitas, a prevalência de sobrepeso entre os usuários investigados foi de 62,6%.
Ao comparar os resultados do mapeamento feito pela equipe do GIN com os dados oficiais do município, Patrícia Freitas apurou que a maioria dos dados fornecidos pela Prefeitura de Belo Horizonte estão desatualizados, especialmente quanto aos comércios menores, em regiões mais vulneráveis. “Meu primeiro esforço foi o de validar a lista de estabelecimentos da prefeitura, já que sua utilização pelos gestores pode prejudicar as políticas públicas de abastecimento e planejamento de ações”, argumenta.
Segundo a autora, o estudo terá continuidade durante sua residência pós-doutoral no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina. Ela fará o monitoramento das comunidades investigadas e dos usuários ao longo do tempo e do comércio de alimentos, com o intuito de constatar as mudanças no ambiente obesogênico e seus impactos na condição corporal dos indivíduos. Para Patrícia Freitas, é necessário compreender os aspectos associados ao desenvolvimento da obesidade para promover intervenções efetivas e sustentáveis na sociedade.
Segundo a pesquisadora, alguns países já têm apostado na taxação dos alimentos ultraprocessados como alternativa de controle da epidemia de obesidade. “Mas, além da restrição aos alimentos não saudáveis, é preciso criar mecanismos de incentivo à produção e ao consumo de alimentos saudáveis. O principal resultado almejado pelo meu trabalho é o fortalecimento de políticas públicas nesse sentido”, considera.
Tese: Ambiente alimentar e excesso de peso em usuários do programa Academia da Saúde
Autora: Patrícia Pinheiro de Freitas
Orientadora: Aline Cristine Souza Lopes
Defendida em 16 de maio de 2019, no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFMG