O radicalismo em gradações
Estudo identifica crescimento acentuado nas taxas de engajamento das comunidades da direita norte-americana
O suposto processo de radicalização política de usuários no YouTube é, há algum tempo, objeto de abordagens da grande mídia e de ONGs. Contudo, a compreensão do fenômeno ainda carece de dados científicos. Em outra pesquisa no âmbito da pós-graduação em Ciência da Computação, Manoel Horta Ribeiro descobriu crescimento acentuado nas taxas de engajamento das comunidades da direita norte-americana, que, segundo ele, compartilham cada vez mais os mesmos usuários. O pesquisador percebeu também a existência de um fluxo consistente de migração de conteúdos mais leves para os mais extremos, o que se confirma por meio de cálculos matemáticos aplicados aos comentários.
O pesquisador percebeu também a existência de um fluxo consistente de migração de conteúdos mais leves para os mais extremos, o que se confirma por meio de cálculos matemáticos aplicados aos comentários.
Em seu estudo, Manoel Ribeiro, sob orientação de Wagner Meira Jr. e coorientação de Virgílio Almeida, analisou automaticamente 300 mil vídeos e quase 80 milhões de comentários de 360 canais, além de 2 milhões de recomendações feitas pela plataforma de vídeos. Segundo o pesquisador, esse banco de dados não tem precedentes na literatura.
Os canais foram classificados em três comunidades, que recebem denominações já consagradas: Intellectual Dark Web (IDW), Alt-lite e Alt-right. As duas primeiras aparecem como porta de entrada para o conteúdo mais radical da Alt-right, que reúne extremistas como os supremacistas brancos. Manoel conta que os canais mais extremos são acessíveis pelos canais da Alt-lite, por meio do sistema de recomendação do YouTube.
Os dados cobrem mais de uma década, mas a auditoria sobre o algoritmo de recomendação durou dois meses. O acompanhamento, nesse caso, precisa ser feito em tempo real, uma vez que as recomendações mudam a todo instante. “Essa parte do estudo teve o objetivo de avaliar até que ponto o sistema do YouTube teria algum tipo de responsabilidade pela migração dos usuários. Concluímos que o efeito não é tão relevante, apesar de ele ter um papel na ligação entre as comunidades”, afirma Manoel Ribeiro. Segundo ele, é possível imaginar que a plataforma tenha alterado seu sistema de recomendações, já que os dados não confirmam, neste momento, a forte percepção da influência do sistema sobre o movimento dos usuários.
Essa pesquisa e as outras duas resultaram na dissertação de mestrado Desinformação, ódio e radicalização na perspectiva dos usuários. A ideia central era melhorar o entendimento de fenômenos sociais complicados por meio do estudo de usuários em redes sociais. De acordo com o pesquisador, “fenômenos como a radicalização e o ódio povoam as redes sociais, e as empresas de tecnologia têm dificuldade de fazer a moderação. Para ser entendido, o conteúdo precisa de contexto. A intenção é extrair esse contexto necessário a partir dos usuários”. Em 2018, Manoel recebeu o Google Latin America Research Award (Lara), que lhe propiciou apoio financeiro para sua pesquisa de mestrado.
Manoel usou técnicas de análise de dados e aprendizado de máquina também para entender o ódio e a desinformação no Twitter. Ele mostrou, por exemplo, como usuários diferentes têm opiniões discrepantes sobre o que é fake news e como analisar usuários em seu contexto social pode ajudar a detectar, de forma automática, o discurso de ódio.
Manoel Horta Ribeiro inicia este mês estudos de doutorado na École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL), Suíça.