Tijolo por tijolo

O céu sob as lentes freireanas

Curso de extensão para professores que ensinam astronomia no ensino básico valoriza a cultura e o conhecimento prévio do participante

Alunas da professora Érika, de Itatibaia (PB): astronomia desperta interesse, mas ocupa espaço secundário na formação de professores
Alunas da professora Érica, de Itabaiana (PB): astronomia desperta interesse, mas ocupa espaço secundário na formação de professores Arquivo pessoal

Os conceitos da física utilizados na astronomia são ensinados por meio de uma linguagem simples e acessível, o que tem aproximado os temas da nossa vivência com o resgate da memória do conhecimento de nossos pais e avós relacionado à área. Com base em leituras, atividades práticas e na partilha de experiências, despertamos no aprendiz o senso crítico, promovendo ampliação da sua consciência social e autonomia”. 

O relato, que poderia ser de um jovem estudante da educação básica, é de Fernanda Luiza de Souza, professora de física, atuante em duas escolas de ensino médio e na Educação de Jovens e Adultos da Zona da Mata Mineira. Surpreendida pela pedagogia libertadora de Paulo Freire, como centenas de outros colegas de vários cantos do Brasil e da Bolívia, Fernanda está redescobrindo o valor de sua cultura na desafiante jornada, na qual “quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender”. 

Esse postulado freireano, traçado por meio da valorização do conhecimento prévio de cada sujeito, que se transforma em questionamento das situações cotidianas e é aplicado na prática, tem-se revelado uma surpresa pedagógica do curso de extensão Astronomia nas culturas e nas escolas, ofertado de forma virtual, pela Faculdade de Educação, para professores da educação básica. 

Os questionamentos apresentados pelos professores constituem o cerne da própria formação, e essa experiência pode ser levada para as salas de aula. “Quando um professor abre espaço para que seus alunos questionem temas sobre os quais não têm domínio, essa problematização amplia as possibilidades de investigação, e ele se coloca na posição de educando, para a construção conjunta de uma verdade”, comenta o professor Juarez Valadares, que integra a  a equipe de coordenação do curso.

Mão na massa

Nessa perspectiva, a professora de ciências Érica Diniz Abrantes Gonçalves, da Escola Municipal Iva Lira Correia, em Itabaiana, no interior da Paraíba, sustenta que “olhar para o céu não será mais perda de tempo e ganha novo significado com perspectivas surpreendentes”. Isso se reflete tanto na participação entusiasmada de seus alunos na Olimpíada Brasileira de Astronomia quanto no plantio de quintais produtivos pela turma da colega mineira Fernanda de Souza, da Escola Estadual Padre José Epifânio Gonçalves, em Barra Longa.

“A astronomia é uma área muito atrativa para os estudantes e não é contemplada com profundidade na formação de professores, embora conste como conteúdo disciplinar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, observa Érica, também bióloga e mestre em ciência e tecnologia ambiental. Ela conta que, ao iniciar sua carreira como professora de ciências do ensino fundamental, teve de adaptar sua didática, suas leituras e até sua visão de mundo. Agora, com o curso de extensão, tem descoberto como as diferentes culturas podem ser aplicadas na escola onde está criando um clube de astronomia. 

“A metodologia de Paulo Freire é isso mesmo, não podemos ficar apenas na parte teórica, mas partir para a famosa ‘mão na massa’. Estou aprendendo muito com as atividades propostas pelo curso, pois, diferentemente do que imaginei, ele é muito dinâmico no formato virtual. Está sendo um divisor de águas em minha formação”, afirma Érica Gonçalves. 

A professora de ciências Maria Joselma Ferreira Silva, da Escola Estadual Santo Antônio, no Distrito de Boa Sorte, em São João do Paraíso, Norte de Minas, concorda com a colega: “Partimos da premissa de que os professores devem acolher o conhecimento prévio dos alunos de forma a valorizar a sua cultura, a sua localidade e a sua experiência de vida para planejar as aulas e, assim, torná-las mais atrativas. Fiquei maravilhada ao descobrir que, utilizando apenas um objeto ou fruta esférica, é possível acompanhar todas as fases da Lua. Para isso, bastam observação e disciplina”, ensina.

Desdobramentos

O curso é parte do projeto de pesquisa de pós-doutorado do professor Leonardo Marques Soares, do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), e é vinculado ao projeto Currículo remoto ou próximo? Pensando o planejamento e a seleção de conteúdos a partir de Paulo Freire, da Faculdade de Educação. A coordenação, de caráter colegiado, é dos professores Juarez Valadares, Leonardo Marques e Walmir Cardoso, da PUC-SP, além de três estudantes voluntários da graduação.

Os conteúdos ensinados durante o curso, as atividades práticas – como o uso dos calendários lunar e solar – o material on-line disponibilizado e os relatos de experiências dos participantes estão sendo organizados em um livro, que será publicado para acesso livre. Os coordenadores também estão aproveitando a experiência extensionista para produzir artigos sobre dados e informações compartilhadas pela turma. A expectativa, segundo Juarez Valadares, é que novas turmas sejam ofertadas no segundo semestre.

Teresa Sanches