Boletim

Nº 1932 - Ano 42 - 13.03.2016

Estrelas e Poesias

Formulações sobre o Urbano

Pesquisa do Cedeplar promove diálogo entre visões clássicas e contemporâneas acerca do mundo marcado pela urbanização

O filósofo francês Henri Lefebvre enxergava a emergência virtual de uma sociedade urbana induzida pela própria industrialização, cuja lógica transformou uma obra coletiva (a cidade) em mercadoria. Mas ele apostava que a diferença e o encontro prevaleceriam sobre a força da indústria. Cerca de 40 anos depois, dois autores americanos – Neil Brenner, do Laboratório de Teoria Urbana de Harvard, e Christian Schmid, do Instituto Suíço de Tecnologia (ETH) – lideram uma agenda que retoma o tema. Para eles, concentrar na cidade as reflexões sobre o urbano é insuficiente, uma vez que o seu domínio extrapola os arranha-céus das metrópoles.

“O economicismo não dá mais conta, os parâmetros passam a ser definidos pela natureza e pela participação das pessoas no planejamento”

Interessado nos diálogos entre formulações clássicas e contemporâneas mais relevantes sobre a questão, o economista Rodrigo Castriota empreendeu pesquisa que culminou em dissertação defendida neste ano no Cedeplar, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Face). E ele conclui a investigação enfatizando a utopia concreta, do possível e da ação, que não esteja mais baseada na maximização. “O economicismo não dá mais conta, os parâmetros passam a ser definidos pela natureza e pela participação das pessoas no planejamento”, afirma Castriota.

O pesquisador recupera as teses desenvolvidas por outros dois intelectuais que ele define como clássicos, ao lado de Lefebvre. O primeiro é o americano Edward Soja, que reafirmou o lugar central do espaço na teoria social crítica. Castriota lembra que ele contestou a associação exclusiva de conceitos como ciclo, dinâmica e evolução à ideia de tempo – e incluiu o espaço como dimensão fundamental nessa discussão. 

Outra referência para o trabalho de Rodrigo Castriota é o professor Roberto Monte-mór, da Face. “Quando estudou a ocupação da Amazônia, há mais de 30 anos, Monte-mór criou o conceito de urbanização extensiva, demonstrando como o tecido urbano se estende para todo o território nacional. Mas não se trata de uma extensão física, simplesmente. É um processo excludente e violento, que inclui desmatamento e genocídio de populações tradicionais. Nesses casos, há um choque de ‘tempos espaciais’, diferença de séculos à distância de poucos metros”, conta Castriota. Por outro lado, lembra o pesquisador, a urbanização também ajudou a produzir a politização do território. Índios, seringueiros, sem-terra, campesinos finalmente se organizaram e se associaram politicamente para reivindicar seus direitos. “A problemática urbana havia-se estendido para todo o território”, observa Castriota.

‘Citadismo’

O pesquisador do Cedeplar salienta que Brenner e Schmid também estão preocupados com o “citadismo”, o olhar exclusivo sobre as cidades na investigação de questões urbanas. Essa “obsessão” tem duas implicações negativas, segundo Castriota. “Eleger a cidade como terreno privilegiado para estudo e prática obscurece a realidade de que cidade é ideologia, que contém as representações do funcionamento do capitalismo, ou seja, serve a interesses específicos”, diz ele, acrescentando que o citadismo esconde paisagens operacionalizadas como Carajás, no Pará. “Afinal, Carajás é Pará ou São Paulo?”, provoca, chamando a atenção para o problema de se insistir, nos dias de hoje, na distinção entre campo e cidade. 

À semelhança dos teóricos clássicos evocados por Rodrigo Castriota, Brenner e Schmid preferem investigar como a urbanização coloniza territórios, na busca da homogeneização. “E eles e outros pesquisadores, embora marcados pela perspectiva euro-americana, começam a dar sinais de disposição para o diálogo com a crítica a essa perspectiva”, informa Castriota. “Durante muito tempo, os estudos urbanos tomaram como base grandes cidades como Chicago e Los Angeles. Não há problema na viagem das teorias do Norte global para o Sul global, mas por que não levar para o Norte possibilidades vislumbradas no Sul?”, indaga o pesquisador da Face.

Imagem de satélite de Eldorado dos Carajás, no Pará, extraída do Google Earth
Imagem de satélite de Eldorado dos Carajás, no Pará, extraída do Google Earth Google Earth

É hora, na avaliação de Castriota, de o olhar euro-americano compreender alternativas emancipatórias indicadas pelo hibridismo e pela complexidade revelados pelo processo de urbanização extensiva em países da África, da Ásia e da América Latina. Ele retoma a abordagem da utopia concreta de Lefebvre. “A contribuição do Sul dialoga com a utopia, quando mostra caminhos diferentes, como o planejamento urbano que dá voz às comunidades e a economia popular e solidária”, afirma o pesquisador. 

No momento, Rodrigo Castriota encaminha seus estudos de doutorado para a teorização e o trabalho empírico acerca da interação do espaço urbano estendido com o espaço digital – investigando, por exemplo, a internet na Amazônia. Ele acredita que existe uma nova rodada de urbanização que é informacional. “Haverá mais colonização ou a internet pode produzir novas possibilidades emancipatórias?”, questiona, indicando o rumo das pesquisas que planeja desenvolver nos próximos anos.

Itamar Rigueira Jr.