Agenda dos direitos humanos une 46 universidades da América do Sul
Militante antiprisional ministrou conferência inaugural da Escola de Verão; curso prossegue até sexta
A trajetória dos direitos humanos não é linear, registra progressos e regressos. Os últimos anos foram especialmente marcados por movimentos de retrocesso que, em certa medida, abalaram as conquistas anteriores. O momento é de recomeço, na avaliação do estudante João Victor Reis, do oitavo período do curso de Direito da UFMG, inscrito no Curso de Verão – Educação para os Direitos Humanos, promovido pela Universidade em parceria com a Associação das Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM). "A universidade pública é um ótimo local para se fazer essa reflexão", diz o estudante.
A opinião do estudante vai ao encontro da avaliação da reitora Sandra Regina Goulart Almeida, que preside a AUGM. Durante a abertura do curso, realizada nesta segunda-feira, dia 17, ela destacou a missão das 46 universidades integrantes da Cátedra Aberta para a Educação em Direitos Humanos “de contribuir para que as pessoas conheçam seus direitos e se encorajem para que eles nunca mais sejam violados”.
“Este é um momento especial para a reflexão sobre a importância de termos esperança e força para lutar por tempos melhores. Os países da América Latina são marcados pela violação dos direitos humanos, e precisamos nos preparar para que nunca mais isso venha a acontecer”, afirmou a reitora.
Para Kaique Wesley Ferreira do Nascimento, que também cursa Direito na UFMG e tem deficiência visual, a expectativa é grande em relação à Escola de Verão. “Espero que traga uma perspectiva ampliada sobre os direitos humanos, sociais e culturais, assuntos que não aparecem na mídia tradicional. Além disso, estou muito ansioso pela palestra sobre direitos humanos e pessoas com deficiência”, acrescentou.
Essa aula, que será ministrada nesta quarta-feira, das 9h às 12h, pelas professoras da Universidad de Mar del Plata Maria Laura Tejon e Julieta Villa, também é esperada por João Victor de Castro Ruas, colega de Kaique no curso de Direito, que também tem deficiência visual. “Estou muito animado e me preparei com antecedência, lendo toda a bibliografia que foi sugerida. Quanto à programação, vou 'puxar a sardinha' para meu lado, pois no Brasil, apesar de 14% da população ter algum tipo de deficiência, esse assunto é muito negligenciado. Além disso, esse é um dos poucos cursos de extensão em que fui bem acolhido, porque, na maioria das vezes, quando manifesto interesse em participar de um curso e relato minha deficiência visual, nem obtenho respostas, ou então dizem assim: 'tudo bem, você é cego, vai ter tradução em Libras'”.
Para a estudante de jornalismo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG Helena Novaes Passos, que também já se graduou em História pela mesma Unidade, “falar sobre direitos humanos no Brasil será cada vez mais recorrente, especialmente após o governo dos últimos quatro anos”.
Direitos humanos para quem?
Na primeira aula do curso, a militante antiprisional Teresa dos Santos, conhecida como “mãe dos presos”, defendeu o pleno respeito à Lei de Execução Penal, que, segundo ela, contempla todos os direitos das pessoas privadas de liberdade. “O que precisamos é do cumprimento dessa lei e, mais do que isso, impedir que as crianças sejam privadas de seus diretos na primeira infância para evitar que, no futuro, elas cheguem ao cárcere”, destacou.
Teresa dos Santos começou sua militância em 2007, após a prisão de um de seus filhos, por roubo de carro. "Busquei ajuda ao conhecer o desrespeito com que a Polícia Militar e os agentes carcerários tratavam os familiares dos presos. E fui surpreendida por um grupo de professores brancos desta Universidade [a UFMG], que ensinavam e motivavam pessoas negras a conhecer e lutar por seus direitos. Desde essa época, a UFMG é nossa parceira nessa luta”, relatou.
Teresa Santos, fundadora e presidenta da Associação dos Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade (2007-2022), destacou a importância do investimento em educação para que os gastos com os presídios sejam reduzidos. “Precisamos entender por que se gasta 1 mil, 1,5 mil reais com uma criança na escola, frente aos 3,6 mil reais que dizem ser gastos com um presidiário. E como aceitar que o salário de um professor seja menor do que o de um agente penitenciário em Minas Gerais?”, provocou.
A militante, que também defende a descriminalização das drogas, motivou os cursistas da Escola de Verão: "Lutem pelos direitos humanos, sem perder a fé e a esperança, e construam trajetórias conjuntas de ocupação dos espaços públicos".
Para Mírian Stefânia dos Santos, atual presidenta da Associação, a sua mãe, Teresa dos Santos, "é inspiração para que a entidade continue lutando pelos direitos de presidiários e suas famílias nos 186 presídios do Estado onde o desrespeito aos direitos é recorrente".
A programação da Escola de Verão, que prossegue até sexta-feira, dia 17, está no site da Pró-reitoria de Extensão.