Coberturas especiais

Especialistas analisam potencial transformador da Inteligência Artificial

Na abertura da Semana do Conhecimento, pesquisadora da IBM e professores de Oxford e da Unicamp falaram sobre as aplicações de suas ferramentas nas finanças, na saúde e na música

De cima para baixo: Mario Campos, Sandra Goulart,
De cima para baixo: Mario Campos, Sandra Goulart, David Clifton, Marcelo Souza (intérprete de Libras), Alessandro Moreira, Ana Paula Appel e Jônatas ManzolliRaphaella Dias / UFMG

Gestão financeira, saúde e criação musical são algumas áreas que vêm sendo permeadas e gradualmente modificadas pelas sofisticadas técnicas da Inteligência Artificial. Tema unificador das discussões da 29ª Semana do Conhecimento UFMG, a IA foi abordada em três diferentes perspectivas na abertura do evento, na manhã desta segunda-feira, dia 19.

A pesquisadora de dados Ana Paula Appel, da IBM Research Brasil, falou sobre a aplicação das ferramentas de IA no desenvolvimento de um modelo de predição de pagamentos, o professor Jônatas Manzolli, da Unicamp, discorreu sobre a relação entre matemática e composição musical, e David Clifton, professor da Universidade de Oxford, tratou das potencialidades do aprendizado de máquina na saúde humana.

“É um tema que me é muito caro”, sublinhou o professor Mario Montenegro Campos, pesquisador da área de ciência da computação e pró-reitor de Pesquisa. Responsável pela apresentação dos palestrantes, Campos lembrou que o termo Inteligência Artificial surgiu na década de 1950, e os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido investiram pesado no desenvolvimento de uma máquina que substituísse o ser humano. "Isso não aconteceu. Entre altos e baixos, o termo ressurgiu recentemente por causa dos avanços na área de aprendizado de máquina e, com eles, uma série de questões relacionadas à ética, à segurança e à privacidade”, destacou.

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida afirmou, em sua apresentação, que a intenção era discutir o tema de forma “transversal e transdisciplinar” durante as atividades da Semana do Conhecimento, que, pela primeira vez, será realizada virtualmente. “É um evento tradicional, de quase 30 anos. Mesmo em contexto tão difícil, de pandemia, trabalho e ensino remotos, decidimos mantê-lo. É um grande desafio organizá-lo nessas condições”, afirmou a reitora, que defendeu a necessidade de dar visibilidade às ações da UFMG desenvolvidas durante a pandemia. “A UFMG adaptou suas atividades para atender à sociedade. Um exemplo disso foi a estruturação de uma rede de laboratórios para testagem da covid-19”, disse.

Ana Paula é pesquisadora da IBM
Ana Paula é pesquisadora da IBM Raphaella Dias / UFMG

Em dia ou com atraso?
Integrante do Laboratório de Pesquisa da IBM Research no Brasil, Ana Paula Appel fez uma breve apresentação da estrutura de pesquisa da empresa, que reúne três mil pesquisadores em todo o mundo distribuídos em 12 unidades – uma delas no Brasil, com escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Cientista de dados, ela liderou um projeto na área de finanças que se vale das técnicas de Inteligência Artificial para prever pagamentos. A empreitada foi encomendada por um cliente com operações em sete países – EUA, Chile, Brasil, Argentina, Colômbia, Equador e México. “Usamos dados históricos para predizer se um cliente vai pagar uma dívida em dia ou com atraso. Se um cliente atrasou o pagamento de uma fatura vencida, as chances de atrasar no futuro são maiores”, resume a pesquisadora.

Com base nessa constatação, a empresa pode, segundo ela, estabelecer uma estratégia de cobrança ligando para os devedores mais críticos. “É muito comum que as empresas procurem os clientes com faturas de montantes mais elevados, mas nem sempre essa estratégia é mais adequada, como mostrou o nosso modelo”, disse ela. Graças a esse projeto, o valor recuperado pelo cliente chegou a 1,74 milhão de dólares.

Jônatas Mazzolli:
Jônatas Manzolli: tecnologia e criação musicalRaphaella Dias / UFMG

Parceria musical
O professor Jônatas Manzolli, da Unicamp, é um dos pioneiros no Brasil na interface da música com a computação. Compositor e matemático, pesquisa a interação entre arte e tecnologia em criação musical, computação musical e ciências cognitivas. “Trabalho com representações, e a inteligência é um ato de conexão entre representação e percepção. Busco desenvolver modelos que possibilitam o uso do computador nos processos criativos”, explicou Mazolli, na introdução de sua apresentação.

Ex-coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Nics), Manzolli foi um dos criadores, em 1998, do Roboser – o termo mistura "Robot" e "Composer". O sistema elaborava sons e movia-se, atraído por luzes, por uma arena sem colidir com objetos.

Em 2002, Manzolli sonificou a instalação Ada: intelligent space, na Suíça, visitada durante seis meses por cerca de 550 mil pessoas e, em 2016, dirigiu a ópera multimodal Descobertas, produção que reuniu várias formas de interpretação e mediação tecnológica, com 40 intérpretes em cena, entre músicos da Sinfônica da Unicamp, do Grupo de Percussão, do Coro Contemporâneo e de bailarinos do Departamento de Artes Corporais da Unicamp.

Apesar de ciência e música estabelecerem um profícuo diálogo, Manzolli não acredita que a primeira explique a segunda. E também não crê que a música produza fenômenos para especulações científicas. “Elas se completam”, resumiu.

David
David Clifton (no canto baixo à direita): capacidade de coleta e processamento de dadosRaphaella Dias / UFMG

Esperança
“A Inteligência Artificial pode afetar o mundo para melhor”. A mensagem esperançosa é do professor David Clifton, do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade de Oxford na Inglaterra. Durante sua apresentação, feita diretamente do campus médico da Universidade, ele procurou justificar seu otimismo listando aplicações da IA no campo da saúde, como no diagnóstico de problemas cardíacos, no combate à covid-19 e da tuberculose.

Em todos esses casos, Clifton afirma que a grande contribuição da IA reside na capacidade de coleta e processamento de um grande volume de dados, algo que o ser humano não consegue fazer. Como exemplo, ele citou a testagem para a covid-19. “O médico da emergência precisa esperar um dia ou mais para ter o diagnóstico. Isso é muito ruim para tomar decisão. A máquina, com base em vários dados do paciente, pode fazer isso melhor e estimar quem pode ter a doença”, exemplificou o professor, lembrando que o Reino Unido começa a enfrentar uma segunda onda da infecção causada pelo novo coronavírus.

Mesmo a tuberculose, uma velha conhecida da medicina, que mata cerca de um 1 milhão de pessoas por ano em todo o mundo, pode ser combatida de forma mais eficaz com recursos da IA. “Oxford desenvolve, com o CDC (EUA) e com participação do Brasil, um estudo com dados genômicos. Essas informações ajudam a prever como eliminar a cepa agressiva da bactéria da tuberculose e estabelecer parâmetros para determinar o tratamento. Isso também se faz muito mais rapidamente com Inteligência Artificial. Ela não substitui o médico, mas o ajuda a exercer melhor a medicina”, afirma o professor de Oxford.

Debate
Questões éticas, potencialidades e fatores que ainda limitam a Inteligência Artificial foram temas de perguntas encaminhadas pelo público aos conferencistas. Para Jônatas Manzolli, nada pode ser feito nessa área sem uma noção clara das implicações éticas. “A ética é o maior guia do pesquisador. É o que nos move. É a base do diálogo”, sentenciou.

A necessidade de democratizar o acesso e reduzir a desigualdade nesse campo também foi destacada. “O problema da inteligência não é a origem, é a oportunidade. Einstein e Mozart não nasceram inteligentes”, afirmou Manzolli.

Embora causem impacto, os avanços da Inteligência Artificial são graduais, o que facilita sua assimilação social. “Eles ocorrem em um ritmo em que as pessoas adaptam-se sem medo, principalmente em lugares onde há diferença de acesso”, argumentou o professor  Clifton.

Sobre o impacto da AI nas carreiras profissionais, Ana Paula Appel, da IBM, também acredita em um processo lento. “Os profissionais terão de se reinventar, aprender a confiar nos dados e não somente no seu feeling", defendeu.

Para Jônatas, a AI veio para estimular o “trabalho conjunto”. "A inteligência tem um caráter sinergético, é construída coletivamente. Isso também afeta as áreas criativas e o ensino”, analisa.

Atendo-se à sua experiência na área de engenharia biomédica, Clifton insistiu na argumentação sobre a capacidade da máquina de gerar e processar dados – “muito mais do que um ser humano consegue gerir”. “A ideia não é substituí-lo, porque o ser humano é que toma as decisões. A máquina é boa para olhar os dados e identificar correlações em grandes bases. Essa é a sua grande contribuição", concluiu.

O vídeo da abertura da 29ª Semana do Conhecimento está disponível no canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), com transmissões em português e em inglês. As apresentações dos professores Jônatas Manzolli e David Clifton já estão disponíveis. O evento prossegue até sexta-feira, 23 de outubro. Veja a programação

Flávio de Almeida