Inspiração e presença: FaE lembra Magda Soares em sessão especial
Discípulos, amigos e familiares homenagearam a professora, referência para gerações de pesquisadores, que morreu em janeiro
“Esta Faculdade respira Magda Soares, na solidez de suas ideias, de suas pesquisas. Ela é, mesmo ausente, presença diária e inspiradora.” As palavras da diretora da Faculdade de Educação da UFMG, Andrea Moreno, simbolizam, assim como tantas outras na noite de ontem (segunda, 27), o espírito da sessão solene pública da Congregação da unidade, em memória da professora Magda Becker Soares, que morreu em 1º de janeiro deste ano, aos 90 anos.
O auditório Neidson Rodrigues juntou colegas, familiares, ex-alunos e amigos para homenagear a professora emérita da UFMG, referência na área da alfabetização e do letramento, autora de obras fundamentais para gerações de educadores. Além de Andrea Moreno, falaram a reitora Sandra Goulart Almeida, o diretor do Centro de Estudos em Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), Gilcinei Carvalho, e o professor da UFMG Paulo Sérgio Soares Guimarães, filho de Magda. As falas foram intercaladas por solos de música, um espetáculo audiovisual, um videodocumentário e leitura de poemas.
Andrea citou Walter Benjamin, que escreveu que uma obra é sempre uma obra em aberto. “Mulheres e homens que são muito especiais invocarão sempre novas interpretações, novas histórias, novas memórias a serem partilhadas, enquanto novos leitores estiverem dispostos a lê-las, contá-las e ser impactados por elas. Magda é, ela mesma, um obra em aberto”, disse a diretora da FaE, que relatou alguns episódios para subsidiar sua visão da homenageada.
Entre outras lembranças de Andrea Moreno, destaca-se a de que Magda Soares nunca deixou de acompanhar a FaE, mesmo de longe, e muito depois de aposentada. A FaE era tratada pela educadora como “a instituição que ajudei a inventar”, segundo a diretora. “Quando a convidávamos para vir à Faculdade, nos últimos tempos, ela sempre dizia que aquela seria a última vez. Mas vinha, de novo e de novo, presencialmente ou em lives, mesmo às vezes com muito esforço. Vinha porque, além de compromisso, Magda tinha muito afeto por essa casa.”
Andrea enumerou algumas outras marcas da trajetória de Magda – generosidade, crítica, ética – e disse que, a despeito do pequeno porte físico, a professora tinha uma “imensa envergadura interior, que nos afetava a todos, nos tocava, nos tombava, nos apontava assertivamente”. E continuou: “ela deixava-se afetar por todos e por toda experiência: observava, reparava, pensava sobre o que via e escutava com respeito e generosidade. E perguntava.”
Abertura para inquietações
Gilcinei Carvalho exaltou a Magda Soares leitora, mas afirmou que, para que essa imagem seja justa, é preciso ficar claro o que se entende por leitura na sua dinâmica social. "Não estamos falando de acúmulo de informações para construção de repertórios eruditos ou socialmente valorizados, mas de um processo legítimo de busca por outros mundos, abertura para outras questões e inquietações”, disse o professor. “Ela seduzia os alunos com sua sacola de livros, que nos apresentava com orgulho, mas também pelo seu “estado de leitura”, receptiva sempre a novas indicações.
As aulas de Magda Soares, segundo Gilcinei, estimulavam o contato com as obras, enfatizando as sutilezas dos textos e aspectos como os contextos históricos de sua produção. O diretor do Ceale, centro fundado por Magda, mencionou obras da professora, como Linguagem e escola, de 1986, leitura obrigatória, segundo ele, para estudantes de pedagogia e de letras.
Gilcinei Carvalho contou de seu “imenso orgulho de ver e ouvir uma senhora de 90 anos contrapor-se, com elegância e consistência, aos argumentos de uma proposta retrógrada de definição de um único método de alfabetização como garantia de sucesso”. Lembrou que ela era presença marcante nas lives dos últimos anos e foi capaz de “popularizar ainda mais seu alcance conceitual com a proposta de ‘alfaletrar’”. Gilcinei destacou ainda repercussões das ações de Magda nas políticas linguísticas, por meio de concepções mais dinâmicas de língua e criação de repertórios, nas politicas de formação inicial e continuada de professores e na consolidação de um campo de estudos, contribuindo para o processo de escolarização da leitura e da escrita.
Títulos preferidos
“Minha mãe nunca gostou de homenagens e ia odiar esta sessão”, disse, brincando, o filho Paulo Sérgio. Mas logo assumiu que não era exatamente assim: Magda tinha especial carinho pelos títulos de cidadã honorária de Lagoa Santa, cidade onde desenvolveu um intenso trabalho com alunos e professores da rede municipal, e de professora emérita da UFMG. “Ela, que se aposentou quando chegou ao limite de idade, ficou feliz porque entendeu que, com o título, a Universidade estava dizendo ‘fique aqui conosco’”, contou Paulo Sérgio.
O professor do Instituto de Ciências Exatas disse que a mãe era extraordinariamente generosa e agregadora – "certa vez levei um colega italiano para o almoço de sábado com a família, e em dez minutos ela estava totalmente à vontade” – e que sempre teve grande capacidade de adaptação às novas tecnologias necessárias para seu trabalho, como, recentemente, os aplicativos de videoconferência.
Uma história da relação de Magda com os netos se destacou na fala de Paulo Sérgio. Encantada com o gosto de um deles por livros, ainda antes de aprender a ler, a avó começou a montar para ele uma biblioteca, com a indicação de quais obras deveriam ser lidas nas diferentes faixas de idade. O projeto foi interrompido com a morte da professora.
'Lado certo da história'
No início de sua fala, após ler trechos de poemas de Clarice Lispector e Cora Coralina, a reitora Sandra Goulart Almeida citou Adélia Prado, ao dizer que “o que a memória ama fica eterno”. “Jamais esqueceremos de Magda Soares e de seu legado”, disse Sandra, ressaltando que Magda foi presença marcante em sua vida. A lembrança que fica, segundo ela, é a de uma “guerreira intrépida e visionária, mestra brilhante e inspiradora, que me ensinou a coragem dos caminhos ‘menos trilhados’ e mais ousados”.
Sandra observou ainda que Magda foi “pensadora arguta, atenta às inovações do campo literário e à avidez de estudantes e colegas por novidades e novos rumos”. Lembrou também a atuação de Magda Soares nos piores anos da ditadura, quando sua casa serviu de acolhida e abrigo a pessoas perseguidas. “Magda nunca se furtou a assumir compromissos e posicionamentos que a colocassem do lado certo da história, o da luta pelos valores democráticos e pela educação como direito”, afirmou a reitora.
Para Sandra, Magda quebrou paradigmas, “rompeu barreiras em todas as searas em que atuou e ousou ocupar espaços públicos e ter voz”. Só posso, só podemos agradecer a ela eternamente e fazer jus a seu legado e a sua história institucional”, concluiu.
Em 2013, um perfil de Magda Soares foi publicado na Revista Diversa; no ano passado, o portal que marcou os 95 da UFMG publicou trechos de cartas endereçadas a ela por colegas e admiradores.