Desinformação ameaça democracias contemporâneas
Em mesa-redonda, Virgílio Almeida, Bruno Reis e Leonardo Sakamoto manifestaram preocupação com o ambiente de falseamento proporcionado pelas mídias sociais
“A finalidade da desinformação não é convencer, é confundir.” O alerta foi feito pelo professor Virgílio Almeida, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, na segunda composição da mesa-redonda Big data, crise epistêmica e pós-verdade, realizada na tarde desta quinta-feira, 19, na UFMG, como parte da programação da segunda edição do ciclo IEAT 20 anos.
No evento, que contou com a participação de Bruno Reis, professor do Departamento Ciência Política da UFMG, e do jornalista e doutor em Ciência Política pela USP Leonardo Sakamoto, Virgílio alertou para o fato de que as tão faladas fake news são apenas parte do problema. “A finalidade da fake news não é a mensagem falsa. Há outros objetivos associados”, disse ele, dando o exemplo de uma fake news relacionada a vacinas. “Qual é o objetivo aqui? Desacreditar o conhecimento científico, a ciência”, pontuou.
“Então temos um ambiente de desinformação de várias facetas. Propaganda política, manipulação de ideias, de reputações. A fake news é [apenas] parte desse processo. Dentro desse panorama, é preciso que a gente reflita um pouco sobre o objetivo dessa desinformação. Porque a finalidade da desinformação não é convencer, é confundir: criar um ambiente em que não se tem confiança nem garantias”, disse.
Desesperança
Em sua fala, Leonardo Sakamoto apresentou gráficos de dados coletados por um grupo de pesquisa da USP que demonstram que, nos últimos anos, a polarização política no país radicalizou-se a ponto de praticamente não haver mais trocas informacionais entre os integrantes de cada espectro político. Nesse sentido, defendeu que as próximas eleições devem ocorrer em um cenário de maniqueísmo ainda mais acirrado que as de 2018. “Em 2020 e 2022, ainda teremos eleições manipuladas, cujos resultados não necessariamente vão expressar a reflexão popular”, prevê Sakamoto, assumindo que talvez ainda não haverá instrumentos eficientes para combater esse quadro.
Pessimista, o cientista político disse concordar com a tese de Aviv Ovadya – pesquisador que estuda processos de falseamento da realidade e aborda a crise de desinformação que vem ameaçando as democracias contemporâneas, da qual as fake news são apenas a ponta do iceberg – segundo a qual um “infocalipse” nos espera. “Eu acho que a gente caminha para isso, e esse infocalipse vai f... a democracia, não só no Brasil, como em outros lugares", disse Sakamoto, defendendo que a gravidade do cenário não permite usar outra expressão para tratar do fenômeno.
Erosão do filtro social
Bruno Reis defendeu que aquilo que se saudava quando as redes sociais surgiram – a ideia de que “agora todo mundo é emissor” – “provavelmente está na raiz da decomposição” que vivemos hoje de nossas estruturas de interação no campo político-social. “Notícias falsas sempre foram abundantes, são parte do problema, mas talvez não sejam o problema principal. O problema hoje me parece ser a erosão do filtro social provocada pela existência de uma campanha pública por uma recepção minimamente unívoca do debate eleitoral”, disse. “E eu não acho que a gente está perto de [ter como] regular isso. A gente nem sabe ao certo como isso funciona”, lamentou.
Ao encerrar sua fala, o professor do Departamento de Ciência Política da UFMG demonstrou preocupação e pessimismo. “Internet existe há 20 anos, redes sociais há dez: eu mal consigo imaginar o que nos aguarda daqui a 30. Sinceramente, do lugar onde a gente está agora e até onde a gente consegue enxergar esses processos, creio que há fundadas razões para nos preocuparmos com a sustentabilidade do modelo de organização política”, alertou ele.
Reis também fez uma contundente defesa da busca pela verdade, sem a qual vão por água abaixo todo “o racionalismo e, com ele, não apenas a democracia, mas a universidade e os valores que fundamentam todo o universalismo liberal do mundo moderno”.
Mais cedo, uma primeira mesa já havia reunido Fabrício Benevenuto, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, Gilberto Scofield, diretor de Estratégias e Negócios da Agência Lupa, e Mônica Rosina, gerente de Políticas Públicas do Facebook. A TV UFMG conversou com Benevenuto e Scofield. Assista:
Organizado em seis encontros com entrada franca, o Ciclo IEAT 20 anos é aberto à participação das comunidades interna e externa. O primeiro encontro tratou da ascensão dos movimentos de direita no mundo; em novembro, o ciclo promoverá um debate sobre as mudanças climáticas.