Luis Alberto Brandão, da Fale, lança livro de poemas
Professor da pós-graduação em Estudos Literários ganhou diversos prêmios por obras acadêmicas e literárias
Por meio de seus textos, de suas imagens e de seu projeto gráfico, o novo livro de poesia de Luis Alberto Brandão, Princípios de cartografia e outros poemas, pinta um largo mapa do Brasil (ora do Brasil empírico, ora de um Brasil imaginado, desejado) – algo que, em outra monta, por meio de recurso literário distinto, de certa forma já ocorria em Manhã do Brasil (Scipione, 2010), livro com que o professor da Faculdade de Letras da UFMG foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Portugal Telecom de Literatura. Essa investigação do “espaço-Brasil” – e da “alucinação de ser Brasil” – se nota particularmente na seção “Brasiliana [improváveis legendas]”, em que o autor justapõe uma coleção de fotografias de sua autoria a seus poemas, dando a ver, por meio do diálogo que desponta dessa contiguidade, singularidades do que possa ser – ou inaugurar-se como – uma poética noção nacional. Mas não só ali. A rigor, todas as quatro seções do livro aludem, em alguma medida, ao desejo de futuro – e ainda mais de presente – que tomou conta do país após o ciclo de medo e desesperança vivido de 2019 a 2022. (Naquela mesma seção, o poema Desdizer vai falar justamente sobre certa impossibilidade de se dizer qualquer coisa da realidade brasileira pós-2018 senão o discurso da própria impossibilidade, como em um canto das exéquias; ao mesmo tempo, performaticamente, vai aludir à importância desse canto.)
O professor da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG lança seu novo livro neste sábado, 1º de abril, em encontro na Quixote Livraria (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi) que terá início às 11h. O volume é resultado de parceria da editora Impressões de Minas com a Fale, parceria que acabou viabilizando uma série de atividades coletivas, como eventos e cursos sobre edição de poesia no bacharelado em Edição da Fale e na linha de pesquisa Edição e recepção de textos literários do Programa de Pós-graduação em Letras: Estudos Literários (Pós-Lit). No semestre passado, por exemplo, Luis ministrou duas disciplinas (uma na graduação e outra na pós) com o título Edição de poesia. “Nelas, os alunos puderam acompanhar na prática o processo de produção editorial do livro”, conta o autor. Outra disciplina está sendo ministrada pelo professor-poeta neste semestre, com foco na edição da produção textual de alunos do semestre anterior. Além disso, foram realizadas mesas-redondas para que estudantes pudessem debater com editores questões práticas da edição de poesia.
Cartografia dos afetos
Na orelha do volume, que foi escrita a várias mãos (pelo autor, em interlocução com editores e alunos, que puderam interferir no texto, em uma dessas citadas atividades coletivas), há uma apresentação de como o livro se organiza em suas quatro seções. Nela, se diz: “A primeira, ‘Princípios de cartografia’, busca delimitar e ultrapassar territórios vitais. Os poemas são mapas móveis, os versos são séries que o olhar pode compor em múltiplos arranjos. Na segunda parte, ‘Clareiras do desejo’, os espaços do corpo, com seus ritmos e arritmias, são tocados e sonhados: nudez, memória, arrebatamento e timidez, promessas e vertigens, jeitos de querer e viver. Em ‘Brasiliana [improváveis legendas]’, fotos e poemas indagam ambivalências da cultura brasileira. Carnaval e ruína? Precariedade e alegria? Passados apagados? Qual miragem concretiza o espaço-Brasil? Na última seção, ‘Gostar de dizer’, o foco é o espaço da escrita. Verbal e transverbal, a grafia poética se revela um prumo inquieto, horizonte de encontros, campo de possíveis e impossíveis.”
Nas páginas introdutórias, em um prefácio intitulado Poemapas e ampuletras, a poeta Ana Elisa Ribeiro – que é também professora de edição e de literatura no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) – demarca a poesia de Luis como uma poesia, “também, de se ver”. Para ela, essa poesia “transborda as palavras e as torna parte de uma cena inteira, íntegra, em que dialogam letra, imagem e paisagem, o que põe a leitora/o leitor em situação de desafio”. No entendimento de Ana Elisa, os poemas de Luis “ocupam as páginas sem aleatoriedades; eles indicam, eles se fincam”. Afirmando o caráter multimodal – e de “certo concretismo” – de tais versos, ela diz: “Definitivamente, nestas Cartografias, as palavras não são só legíveis. Há com elas uma nota espacial e outra temporal, ampuletras, o tempo que gastamos a percorrer com o olhar – e o corpo – um espaço planejado entre um verso e outro, isso medido em grãos de silêncio, sentido e tinta”.
Uma primeira leitura
Para esta matéria, foi possível fazer uma leitura diagonal do volume antes de seu lançamento. A seguir, as primeiras impressões.
Em Princípios de cartografia e em seus demais poemas, Luis inscreve as palavras pelo espaço da página com critério e consciência: distribuídas, em muitos casos, em linhas e colunas imaginárias, os versos e as estrofes (na verdade eu não sei dizer se será correto chamá-las de estrofes) figuram como se tivessem escolhido por si só quais fissuras do papel ocupar, desestabilizando a linearidade. Já pelo que diz, o poema de abertura do livro, especificamente, parece se propor como um ponto de encontro. Para quem? Para os “forasteiros”, “que moram / em lugar / nenhum” como ele fosse “a mais natal / das casas”; para os “inveterados”, seres que são “nadadores / da maré de si”, mas sobretudo quando ela “se espraia / para fora de si”; para nós, brasileiros, que queremos outro mundo que não este, mas que também seja este, se torne este, em um novo tempo inaugurado.
Encenando as contradições (“beleza / e vermes”, “decrepitude e delícias”) e a complexidade (os segredos esquecidos, o “equívoco das palavras”) de uma vida real no “mundo / dos” – verdadeiramente – “vivos”, Luis parece nos convidar, neste seu poema espacial, a integrar esses times, esses e tantos outros: o time dos indóceis, que querem porque querem entortar “a linha do horizonte”, quando e se ela se faz contra nós; a ala “dos revoltos // amantes de janelas // abertas // guardiões / de sonhos / loucos // e alguma alegria”; a seita dos endiabrados, seres que são “tementes / a qualquer tipo / de deus”, mas que, ao mesmo tempo, pregam a “perversão / de todo rito”; o time dos meliantes, dos insones, dos grafômanos, dos galhofeiros: os “adeptos do mundo dos vivos”, em suma; desse mundo e do ato mesmo de nele existir – ato a que Luis denomina, ele mesmo o galhofeiro da vez, como a nossa “mais perfeita / gambiarra”. (Em tempo: no que toca às galhofas, chama atenção a sua Sala de espera, poema de humor doce, mas que faz ver como a repetição de uma mesma piada, levada ao limite, destroça toda graça.)
Em vários poemas, reitera-se a vocação de Luis Alberto Brandão para desnaturalizar a ocupação que as palavras fazem do espaço da página. É o que ocorre, por exemplo, em 3 x 12 olhares sobre Diamantina e no poema Aqui, que se inicia num diálogo incidental com a carta de Caminha, para em seguida avançar numa investigação poético-topográfica do que seja o nosso fugidio “aqui” brasileiro, um aqui em que “a gente / quer // viver / mais // que a vida”, desejo que se metaforiza pela alternância de posições da palavra na página. (Sobre esse uso que Luis faz do termo “aqui”, diz Ana Elisa Ribeiro: “São dêiticas, são incisões no espaço”.) Mas o livro também sedia poemas de estrutura formal mais tradicional – como é o caso de Colheita noturna, texto que faz um inventário onírico “de pistas para sobreviver à travessia”, e, desse inventário, “semeadura”. Outro destaque é o poema Planaltos, do qual, curiosamente, o cheiro que emana é o da mineiridade, em sua mitológica distância do mar.
Vários poemas se destacam por sua singularidade. Na primeira parte, o poema Escola do pensamento, no qual o bom conhecedor é capaz de mapear inúmeros detalhes da arquitetura da Faculdade de Letras da UFMG (mas que, ao mesmo tempo, encena uma estrutura espacial que poderia ser qualquer academia intelectual do mundo); na segunda, uma série de poemas que tratam de temas erótico-amorosos de fundo, com achados como “a timidez é um bicho // de toca / sem toca”; na terceira parte, o poema Fonte, uma espécie de écfrase que nos faz confrontar a maior das aporias brasileiras; Na quarta, o poema Que, em que Luis se reafirma um virtuose da palavra: nele, todo período é interrompido nas conjunções, nos pronomes relativos e nas preposições que dariam ensejo às orações complementares (que não são escritas), de modo que o poema resulta como um texto que comunica por meio de subtrações, ausências.
O autor
Além de professor e escritor, Luis Alberto Brandão é pesquisador do campo dos estudos literários. Nessa seara, tem como tema central de suas investigações a noção de espaço na literatura. Seu trabalho nesse campo resultou, entre outras coisas, no livro Teorias do espaço literário (2013), finalista do Prêmio Jabuti.
Como ensaísta, Luis publicou, entre outros, Grafias da identidade: literatura contemporânea e imaginário nacional (2005), também finalista do Jabuti, e Um olho de vidro: a narrativa de Sérgio Sant’Anna (2000), livro vencedor do Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte. Seu último livro antes do atual fora Canção de amor para João Gilberto Noll (2019), publicado pela Editora Relicário, sobre o qual o Portal UFMG também fez matéria.
No campo literário, propriamente, Luis publicou, além do já citado Manhã do Brasil, os volumes Chuva de letras (2008), vencedor do Prêmio Nacional de Literatura João-de-Barro e finalista do Jabuti, Tablados: livro de livros (2004) e Saber de pedra: o livro das estátuas (1999), que foi vencedor da Bolsa Vitae de Artes.
Livro: Princípios de cartografia e outros poemas
Autor: Luis Alberto Brandão
Editora: Impressões de Minas
172 páginas / R$ 58