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Morre Ângela Vaz Leão, fundadora e primeira diretora da Fale

Especialista na obra do rei-poeta D. Afonso X, ela tinha 101 anos e manteve-se intelectualmente ativa até quase o fim da vida

Ângela Vaz Leão:
Ângela Vaz Leão: trabalho e dedicação como pilares da FaleFoto: Acervo de família

Morreu, neste domingo, 3 de março, em Belo Horizonte, a professora Ângela Vaz Leão, figura central no processo de criação e consolidação da Faculdade de Letras da UFMG e referência nos estudos filológicos e de literatura medieval. Ângela tinha 101 anos e se tratava em casa de uma infecção pulmonar. O velório será nesta segunda-feira, dia 4, das 10h às 14h, no Cemitério do Bonfim (capela 1), e o sepultamento ocorrerá em seguida.

Nascida em Formiga, no Centro-Oeste de Minas, Ângela Vaz Leão é dona de uma trajetória que se confunde com a da própria Fale. “Ela foi não apenas fundadora [em 1968] e primeira diretora da Faculdade de Letras da UFMG, como também a primeira coordenadora de nosso Programa de Pós-graduação. Seu trabalho e sua dedicação ergueram, portanto, os pilares da Fale, e seu legado de pesquisa contribuiu para colocar nossa instituição em proeminência nos cenários nacional e internacional”, comenta a atual diretora da faculdade, Sueli Maria Coelho.

“Seu legado será sempre reverenciado”, afirma a reitora Sandra Regina Goulart Almeida. “Devemos muito à professora Ângela Vaz Leão, que é um símbolo da UFMG, instituição pela qual sempre nutriu enorme respeito e amor. Ela sempre incluiu a nossa instituição em seus projetos", destaca.

De acordo com a diretora Sueli Coelho, a professora Ângela Leão manteve-se intelectualmente ativa até os 100 anos e, para homenageá-la, a Faculdade de Letras está preparando, em parceria com a Editora Mercado de Letras, a publicação do trabalho de pesquisa ao qual dedicou a maior parte de sua vida: a edição bilíngue (galego-português/português) das 427 Cantigas de Santa Maria, do rei-poeta D. Afonso X (1221-1284), de cuja obra foi uma das maiores especialistas. A publicação será lançada ainda neste semestre.

“Ela ficou encantada e emocionada com a arte e a capa da obra”, diz Sueli, que visitou a mestra no último dia 19 de fevereiro. Na ocasião, a diretora da Fale comentou com a professora que pretendia promover um evento de lançamento na Unidade e perguntou se Ângela estaria disposta a comparecer. A resposta foi imediata: “Estou pronta”.

Ângela com as professoras Sueli Coelho e Sônia Queiroz (à direita) no encontro que selou a doação do acervo da professora para a Fale
Ângela Leão com as professoras Sueli Coelho e Sônia Queiroz (à direita) no encontro que selou a doação do acervo para a Fale Foto: arquivo de Sueli Coelho

No mesmo encontro, Ângela também formalizou seu último desejo em relação à Fale ao doar para Unidade sua vasta biblioteca, formada por volumes que mantinha em casa e no sítio da família. “Foi a forma generosa que ela encontrou de nos presentear e de enriquecer o acervo da Biblioteca Professor Rubens Costa Romanelli, fomentando as pesquisas linguísticas e literárias, duas áreas às quais ela se dedicou com muita maestria”, afirma a diretora, ela própria uma das muitas discípulas que Ângela ajudou a formar em sua carreira. Em 2001, Sueli cursou a disciplina Cantigas de Santa Maria no mestrado da PUC Minas, onde Ângela passou a atuar após se aposentar na UFMG. “O corpus da minha pesquisa eram as cantigas, e Ângela participou de minha banca de defesa”, relembra Sueli Coelho.

'Ser como Dona Ângela'
Na véspera do centenário da professora (1º de outubro de 2022), a Revista Diversa, em edição comemorativa aos 95 anos da UFMG, publicou um perfil em homenagem à mestra com depoimentos de colegas e ex-alunos. O professor Jacyntho Lins Brandão, que também dirigiu a Faculdade de Letras e foi vice-reitor da UFMG, destacou a marca que Ângela imprimiu à Fale, “que guarda o seu DNA”, e chamou a atenção para a influência que ela exerceu sobre os seus alunos. “Tive o privilégio de ser um deles. E pela vida afora, quando penso o que deve ser um professor, tenho o também privilégio de não titubear: é ser como Dona Ângela.”

Em depoimento para a mesma edição, outro discípulo de Ângela, o também professor Thiago Saltarelli, da Fale, escreveu que a convivência que teve com ela se assemelhava à antiga relação mestre-aprendiz. “Com Dona Ângela, as fronteiras entre o acadêmico e o pessoal, entre o ensino e um convívio mais íntimo, se diluem”.

Ângela Vaz Leão graduou-se em Letras, em 1949, pela UFMG, onde defendeu tese de livre-docente em 1959. Na Universidade, ela atuou como professora e pesquisadora de 1959 a 1987 e recebeu o título de professora emérita em 1990.

Após aposentar-se na UFMG, Ângela Leão foi professora titular da PUC Minas, onde atuou na pós-graduação em Letras, abrindo a frente de estudos das literaturas africanas de língua portuguesa. No cenário nacional, ocupou o cargo de presidente da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), na gestão 1973-1975. 

Ela recebeu diversos prêmios e distinções ao longo da carreira, como o Grau de Officier des Palmes Académiques, condecoração do governo francês (1971), a Medalha de Ouro Santos Dumont, do governo de Minas (1986), a Ordem Nacional do Mérito Científico, categoria Grão Cruz, da Presidência da República (1998), e a Medalha Mendes Pimentel, da UFMG (2012).

Viúva há mais de 30 anos de Wilson Coelho Leão, a professora Ângela deixou os filhos Athos, Mário, Regina, Ângela Maria e Beatriz Vaz Leão – também docente na Faculdade de Letras –, 10 netos e 11 bisnetos.

Federalização
Em 2017, Ângela Vaz Leão, à época com 94 anos, foi uma das entrevistadas da série 90 anos de história, produzida pela TV UFMG em comemoração às nove décadas de fundação da Universidade. Na ocasião, ela falou sobre o contexto que marcou a federalização da UFMG, em 1949, ano em que se graduou no curso de Letras Neolatinas. Assista ao depoimento:

Flávio de Almeida