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Uma carreira dedicada ao Sistema Único de Saúde

Professora da Escola de Enfermagem, Deborah Carvalho Malta é a segunda cientista mais produtiva do Brasil, segundo ranking internacional, e acaba de ser agraciada com o Prêmio Mulheres na Ciência

Deborah Malta: pesquisa e atuação para melhorar a vida dos brasileiros
Deborah Malta: pesquisa e atuação para melhorar a vida dos brasileiros Foto: Arquivo pessoal

A plataforma internacional de pesquisa acadêmica Research.com divulgou o ranking on-line anual das principais mulheres cientistas do mundo. Em âmbito nacional, a professora Deborah Carvalho Malta, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, aparece em segundo lugar. No plano mundial, ela figura entre as 1000 melhores do mundo, na posição 835, somando 766 publicações e mais de 89 mil citações.

A divulgação do ranking ocorreu dias antes da divulgação, pela Câmara dos Deputados, da lista de agraciadas com o Prêmio Mulheres na Ciência Amélia Império Hamburger 2023. A premiação é concedida anualmente a três estudiosas brasileiras que se destacam por suas contribuições nas áreas de ciências exatas, ciências naturais e ciências humanas. Deborah Malta foi uma das escolhidas.

A trajetória de Deborah Malta começou quando ela se formou em medicina na década de 1980 e, desde o início da carreira, aliou a clínica à pesquisa. Deborah nasceu em Prados, perto de Tiradentes e de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, e, desde pequena, se destacou na sala de aula. Sua mãe contou-lhe que ela foi a primeira aluna do jardim de infância a aprender a ler.

“Sempre fui muito dedicada e estudiosa. Eu gostava de ir à aula, de estudar, de ler. Meus pais sempre fizeram tudo para que eu e meus irmãos víssemos a escola como algo essencial e importante. Eu tinha que acordar às 5 horas da manhã para ir a São João del-Rei estudar, mas não via isso como sacrifício. Era algo que eu amava”, conta.

Deborah Malta na graduação em Medicina na UFJF
Deborah Malta na cerimônia de formatura em Medicina na UFJF Foto: Arquivo pessoal

A aprovação em quinto lugar no vestibular de Medicina na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) ocorreu de forma natural, em 1980. Deborah conta que não foi apenas a primeira médica da família, mas também a primeira de Prados. Após a graduação, cursou duas residências médicas: Pediatria e  Medicina Preventiva Social. Esta última surgiu do desejo da recém-formada em atuar na saúde pública com epidemiologia, ciência que estuda o processo de saúde-doença e seus determinantes sociais.

“Sempre tive a certeza de que queria atuar nessa área. Então, quando descobri a epidemiologia, percebi que minha maior vontade não era trabalhar com clínica e cuidar de cada um dos pacientes individualmente, mas, sim, contribuir para a solução dos problemas de saúde da coletividade", afirma a professora. "O que me instiga até hoje é entender como as políticas públicas na área de saúde podem transformar a vida das pessoas.”

Vigilância em saúde
O trabalho de professora na UFMG sempre esteve associado ao exercício da pesquisa e à atuação em órgãos públicos. Deborah trabalhou nas prefeituras de Belo Horizonte e Ipatinga. Por 12 anos, integrou a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, onde coordenou pesquisas importantes que mudaram o modo como o governo brasileiro lidava com certas doenças. 

Deborah em reunião do Ministério da Saúde este ano
Deborah em reunião do Ministério da Saúde, neste ano Foto: Arquivo pessoal

Em 2003, o governo federal criou uma área focada na vigilância em saúde, e o grupo liderado por Deborah desenvolveu um conjunto de inquéritos populacionais em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O questionário possibilitou que o governo conhecesse a realidade da saúde da população brasileira e fundamentou a elaboração de políticas públicas, mudando a cultura comportamental das pessoas. 

“Antigamente, era normal as pessoas fumarem em todos os lugares. O trabalho do Ministério da Saúde para diminuir o número de fumantes no país é um exemplo de mudança comportamental. Foram os dados coletados em nossas pesquisas que ajudaram a mudar a percepção das pessoas sobre fumar em ambientes fechados. A proibição da comercialização do cigarro eletrônico no país também ocorreu com uma política pública que se baseou nos dados dos nossos inquéritos. São mudanças sociais baseadas em evidências de pesquisas científicas que realizamos”, explica.

Pioneirismo no enfrentamento das doenças crônicas
Outra mudança provocada pelo trabalho do grupo coordenado pela professora no Ministério da Saúde refere-se à evolução dos temas em pauta nas discussões da Pasta. Deborah conta que as pesquisas que coordenou foram essenciais para que o governo federal passasse a investir em políticas públicas para combater doenças crônicas não transmissíveis. 

“As doenças cardiovasculares eram as que mais matavam no Brasil, mas não eram as mais discutidas. Mudamos essa pauta para comprometer o Estado a estudar os novos temas. A sociedade muda, e as ações de saúde pública precisam acompanhar essas mudanças.”

Como resultado de seu trabalho, a equipe coordenada por Deborah elaborou, em 2011, o Plano de Enfrentamento das Doenças Crônicas, com metas estabelecidas com base nos inquéritos que coletaram informações sobre o uso do álcool e do tabaco, além da diabetes e de outras doenças. Ainda em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou um encontro para discutir as doenças crônicas não transmissíveis, e a então presidenta, Dilma Rousseff, lançou o plano brasileiro, iniciativa pioneira na época. 

“Nosso plano foi lançado antes do plano global e visava deter o crescimento da obesidade, aumentar a prática de atividade física e reduzir o tabagismo e o alcoolismo, entre outras medidas importantes para a saúde do povo brasileiro.”

Deborah no lançamento do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, em 2011
A professora participou do lançamento do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, em 2011 Foto: Arquivo pessoal

Hoje, atuando como professora da graduação e da pós-graduação na UFMG, Deborah ministra disciplinas relacionadas à epidemiologia e à saúde pública. Além de doenças crônicas, seus estudos abrangem acidentes e violências que costumam culminar no atendimento emergencial no Sistema Único de Saúde (SUS). 

“Continuo trabalhando com evidências. O VIVA Inquérito, por exemplo, que é uma espécie de porta de entrada das urgências e emergências, e a Notificação de Violências Domésticas são outros exemplos que fizeram toda a diferença na vida das pessoas. Aprimoramos a proteção das crianças, dos adolescentes, das mulheres e das pessoas sob vulnerabilidade. Sou militante da saúde pública e me esforço para que meus alunos conheçam e defendam o SUS.”

Os desafios da mulher pesquisadora
Deborah Malta atribui suas conquistas na carreira à rede de apoio com que sempre contou. Ela conta que foram grandes os desafios enfrentados para conciliar os papéis de mãe e pesquisadora. 

“A vida das mulheres é mais difícil em razão do machismo estrutural da sociedade patriarcal em que vivemos. É uma via com mais obstáculos e que nos exige, a todo momento, provar nossas competências e saber administrar nosso tempo nas jornadas duplas e triplas que exercemos. O que sempre digo para as meninas que começam a pesquisar é que elas devem se dedicar e buscar estabelecer parcerias, pois a rede de apoio faz a diferença na vida de uma mulher pesquisadora”, ressalta.

A professora defende que as mulheres pesquisadoras devem se ajudar, compartilhando dados e aprendizados dentro da academia. “Integrar uma rede de mulheres na ciência é algo que tem surtido efeito. As políticas públicas devem olhar para nós, pois precisamos alcançar a tão sonhada equidade de gênero. É essencial seguirmos juntas”, conclama.

Deborah com o marido e os filhos: rede de apoio é essencial para o enfrentamento do desafio de ser uma mulher pesquisadora
Deborah com o marido e os filhos: rede de apoio é essencial para enfrentar o desafio de ser pesquisadora Foto: Arquivo pessoal

Premiações
Esta é a primeira vez que o ranking da Research.com indica as 1 mil cientistas do mundo com maior produção científica. No Brasil, apenas duas pesquisadoras aparecem nesse levantamento: Maria Ines Schimidt, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), e Deborah Malta, da UFMG. O objetivo do ranking é inspirar mulheres pesquisadoras, levando em conta as suas carreiras acadêmicas. Foram examinados cerca de 166 mil perfis de cientistas em 24 disciplinas de pesquisa no Google Scholar e no Microsoft Academic Graph.

O Prêmio Mulheres na Ciência Amélia Império Hamburger é um reconhecimento da Câmara dos Deputados à excelência da participação feminina na solução dos grandes desafios da humanidade, além de funcionar como estímulo à capacitação de outras mulheres cientistas. Seu nome homenageia a física, professora, pesquisadora e divulgadora científica Amélia Império Hamburger, que participou da fundação da Sociedade Brasileira de Física (SBF). A cerimônia de entrega será no dia 5 de julho, às 16h, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília. 

Luana Macieira