Boletim

Nº 2103 - Ano 47 - 14.06.2021

Tijolo por tijolo

Emancipação, autonomia: liberdade

Professora da FaE conta como conheceu o universo do educador e diz que viver Paulo Freire é a melhor forma de homenageá-lo

“A autonomia é uma das categorias centrais na obra de Paulo Freire”, pontua a professora Rita de Cássia de Fraga Machado, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). “Para Paulo Freire, autonomia é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de possibilidades”, reforça a professora. E acrescenta: “A autonomia é experiência da liberdade”. 

Rita de Cássia afirma, ainda, recorrendo à Pedagogia da autonomia, de 1996, último livro publicado por Freire em vida: “Uma tarefa fundamental no ato de educar, ligada a outros princípios basilares da prática educativa, seria fundamentalmente [fomentar] a autonomia do direito pessoal na construção de uma sociedade democrática que a todos respeita e dignifica”. 

No verbete Método Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão resume a proposta do patrono da educação brasileira, lembrando a experiência de Angicos: “Em um primeiro momento, com a ajuda de uma pessoa alfabetizada e devidamente treinada para ser um acompanhante do grupo, os componentes do círculo de cultura eram incentivados a realizar atividades destinadas a um primeiro conhecimento de sua própria comunidade e a elaborar, com base em uma pesquisa do universo vocabular e do universo temático, o próprio material com que a seguir realizariam o seu aprendizado”, ele explica. Em seguida, desse material eram extraídas as palavras geradoras e o universo temático que serviria de matéria-prima ao processo educacional.

“Diferentes fichas e pequenos cartazes eram coletivamente elaborados com os recursos locais e com a participação de todas as pessoas”, explica Carlos Rodrigues. Em seguida, reunidos em um círculo, em que o monitor ocupava um dos lugares equidistantes de um mesmo centro e em que as pessoas ficavam umas ao lado das outras, todos eram motivados a participar de um livre debate, incentivados pela apresentação de uma sequência de fichas de cultura, que iam sendo interpretadas com base nas memórias e experiências de vida de cada um. A alfabetização, propriamente dita, só começava aí. “Todos os procedimentos de comparação entre desempenhos eram abolidos”, afirma Rodrigues.

Porta de entrada

“Eu tive meu primeiro contato com [o pensamento de] Paulo Freire ainda jovem, quando fui trabalhar no norte do Mato Grosso, na região de São Félix do Araguaia, com educação no campo”, conta Lúcia Helena Alvarez Leite. “Ali, pude perceber como a realidade cultural daqueles camponeses era tão distinta da minha, uma pessoa da cidade grande, formada na universidade. Essa experiência foi uma porta de entrada para o universo de Paulo Freire, pois pude perceber a importância de entender os camponeses como sujeitos socioculturais; compreender, de modo geral, os nossos educandos também como sujeitos de saberes – saberes que eles trazem da própria experiência”, afirma a professora.

Provocada a sugerir obras representativas do pensamento de Paulo Freire, Lucinha, como é conhecida a professora da FaE, vai direto ao livro mais famoso do pensador, Pedagogia do oprimido. “Não é o livro mais fácil do Paulo Freire, mas eu acho que ele traz ali um pensamento muito claro de [por que é importante fomentar] uma pedagogia “do” oprimido, e não uma pedagogia ‘com’ nem ‘para’ o oprimido. Outro livro de que gosto muito, lançado já depois da sua morte, é Pedagogia da indignação. Nele, Paulo Freire escreve algumas cartas em que revela seu inconformismo com a realidade [de seu tempo], algo que tem muito a ver com a nossa realidade atual. Por fim, indico Pedagogia da autonomia, livro bem didático e pensado para professores”, sugere Lúcia Alvarez. 

“Mais importante do que ler Paulo Freire é, em seguida, viver Paulo Freire: conseguir, no dia a dia, compreender e realizar, na prática, uma educação emancipadora, uma educação para a liberdade, e não uma educação para a dominação, para a opressão, uma educação ‘bancária’. Viver Paulo Freire é o maior presente que podemos dar a ele neste centenário. É o que estamos tentando fazer na FaE, na UFMG e nos movimentos sociais”, conclui a professora.

Capa de Pedagogia do oprimido, a mais conhecida obra do educador
Capa de 'Pedagogia do oprimido', a mais conhecida obra do educador Ewerton Martins Ribeiro | UFMG

Ewerton Martins Ribeiro