Arte e Cultura

Acervo da Sala Helena Antipoff, na Biblioteca Central, é registrado como patrimônio da UFMG

Mais de 200 cartas trocadas entre a educadora e uma de suas principais colaboradoras foram digitalizadas e estão disponíveis para consulta on-line

Helena Antipoff com um grupo de crianças na Fazenda do Rosário, em 1970
Helena Antipoff com grupo de crianças na Fazenda do Rosário, em 1970 Foto: Arquivo do Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff

“Cada um tem capacidade de fazer muito bem alguma coisa. É preciso descobrir o que seja. Mesmo o último dos últimos é capaz de fazer algo melhor do que os outros.” Essa reflexão da psicóloga e educadora Helena Antipoff, retirada do documentário Entre mundos, revela o olhar atento e generoso que ela tinha para o potencial e a singularidade de cada ser humano. Com notável currículo de estudos em São Petersburgo, Paris e Genebra, e atuação ao lado de renomados intelectuais, como o psicólogo suíço Édouard Claparède, Antipoff sempre buscou pôr a psicologia a serviço da educação e do desenvolvimento das crianças e adolescentes com deficiência, denominados, à época, como excepcionais. Esse conceito foi introduzido por ela no Brasil para incluir as pessoas que se diferenciavam da maioria em relação a alguma característica psicológica ou psicossocial.

A trajetória de Helena Antipoff, que chegou em 1929 ao Brasil, está registrada por meio de documentos inéditos, como manuscritos, correspondências, publicações de circulação restrita e fotografias. Parte desse acervo está acondicionada na Sala Helena Antipoff, no quarto andar da Biblioteca Central da UFMG, e passou, recentemente, por minucioso trabalho de higienização, tratamento e registro, em continuidade a um processo iniciado por equipe do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes.

Uma equipe da Faculdade de Educação digitalizou mais de 200 correspondências e registrou, no catálogo on-line, como acervo da Biblioteca Universitária e patrimônio da UFMG, cerca de 1 mil livros e aproximadamente 600 fascículos de periódicos. Entre eles, destacam-se publicações raras dos anos 1930, que reúnem resultados de pesquisas sobre a criança mineira, realizadas no laboratório de psicologia da Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte, sob a direção de Antipoff. Os trabalhos tinham como foco a chamada escolologia, a ciência da escola, campo do conhecimento sistematizado pela educadora.

Miniexposição de artesanatos confeccionados por alunos da Fazenda do Rosário: Sala Helena Antipoff abriga manuscritos, correspondências, publicações de circulação restrita e fotografias
Miniexposição de peças de artesanato confeccionadas por alunos da Fazenda do Rosário: Sala Helena Antipoff abriga manuscritos, correspondências, publicações de circulação restrita e fotografias Foto: Carla Pedrosa | Biblioteca Universitária UFMG

Com o objetivo de pesquisar os diversos aspectos da instituição escolar e os ideais e interesses da criança, a pesquisadora enviava suas alunas a diversas escolas para coletar os dados. As estudantes eram comparadas, metaforicamente, às abelhas que traziam o mel para ser analisado em laboratório sob a luz de duas grandes vertentes: a construtivista de Genebra – com ênfase no interesse e no desenvolvimento das crianças – e a socioconstrutivista da psicologia soviética, interessada no impacto do contexto cultural no desenvolvimento dos meninos e meninas.

“Em um dos estudos realizados em Belo Horizonte sobre os quocientes de inteligência, Helena Antipoff verificou que as médias dos grupos escolares situados nas periferias da cidade eram inferiores àquelas dos localizados na região central, mas isso não significava que as crianças eram menos inteligentes, apenas que viviam em contextos com oportunidades diversas. Ela sugeriu, então, em uma das cerca de 200 correspondências trocadas com Claparède, a incorporação de um coeficiente sociocultural no cálculo do resultado do teste de inteligência. Em outra carta, sugeriu que o pesquisador coordenasse um trabalho de recolher as diversas experiências educacionais dos seus alunos em seus países de origem, fazendo uma espécie de enciclopédia com exemplos de crianças de vários lugares do mundo”, destaca a professora Regina Helena Campos, da FaE, que preside o Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA). Ela liderou a equipe que realizou os trabalhos de tratamento e registro do acervo de Antipoff, da qual participaram a bibliotecária Moema Brandão e bibliotecários e estagiárias da própria FaE.

Cartas
Existe um projeto de digitalização dessas correspondências trocadas com Claparède e das 700 cartas que a educadora e o filho Daniel Antipoff trocaram entre 1929 e 1938, período em que ele era interno na escola experimental de Beauvallon, em Dieulefit, no Sul da França. Atualmente, já foram digitalizadas e disponibilizadas, no catálogo on-line da UFMG, as 276 correspondências trocadas entre Helena Antipoff e Helena Dias Carneiro, uma de suas colaboradoras, que, na condição de diretora da Sociedade Pestalozzi no Rio de Janeiro, fazia a ponte com educadores importantes, como Anísio Teixeira.

Antes de serem catalogados, os itens da coleção foram higienizados em máquina própria e acondicionados, quando necessário, em caixas protetoras. Esse trabalho seguiu protocolo orientado pela bibliotecária Diná Araújo, que atuou na Divisão de Coleções Especiais e Obras Raras da UFMG (Dicolesp).

Bibliotecária Moema Brandão com exemplares digitalizados de correspondências trocadas entre Helena Antipoff e Helena Dias Carneiro
Bibliotecária Moema Brandão com exemplares digitalizados de correspondências trocadas entre Helena Antipoff e Helena Dias Carneiro Foto: Carla Pedrosa | Biblioteca Universitária da UFMG

Moema, que se aposentará em julho, disse ter sido gratificante finalizar a carreira na UFMG com a execução desse projeto na Sala Helena Antipoff. “Fiquei encantada com a trajetória da educadora: uma pessoa simples, que não tinha luxo, mas, ao mesmo tempo, tão grandiosa, preocupada com o lado social, humano. A história dela é linda e de valor inestimável, por isso trabalhamos com muito afinco para preservá-la”, salienta.

Acesso
A Sala Helena Antipoff foi formalizada, em 1997, por meio de acordo de cooperação firmado entre o CDPHA, a UFMG, a Secretaria de Educação de Minas Gerais e a Fundação Helena Antipoff. Além de correspondências, recortes de jornais, fotografias e livros, o acervo abriga a exposição de painéis Helena Antipoff: a mineira universal, sobre a vida e a obra da educadora, e um conjunto de coleções e bases de dados que constituem os Arquivos UFMG de História da Psicologia. Além disso, reúne teses e dissertações defendidas por integrantes do grupo de pesquisa História da Psicologia e Contexto Sociocultural e de outros grupos que investigam temas correlatos e um conjunto de publicações do CDPHA.

“O Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff foi criado com dois objetivos: preservar a memória e divulgar a obra da educadora. O acervo que está aqui na UFMG é constituído, sobretudo, pelos materiais que pertenciam ao filho Daniel. Na Fundação Helena Antipoff, por sua vez, estão itens institucionais da Fazenda do Rosário e  pertences da educadora utilizados ao longo da carreira e de sua experiência naquele local”, explica Regina Campos.

O acervo da Sala Helena Antipoff não está disponível para empréstimo domiciliar, mas é possível descobrir a localização de seus materiais por meio de buscas (por autor, título ou assunto) no catálogo on-line. Visitas ao espaço para pesquisa podem ser agendadas pelo e-mail colesp@bu.ufmg.br.

Regina Campos com exemplar de publicação dos anos 1930 que reúne resultados de pesquisa sobre jovens e crianças mineiras
Regina Campos com exemplar de publicação dos anos 1930 que reúne resultados de pesquisa sobre jovens e crianças mineiras Foto: Carla Pedrosa | Biblioteca Universitária UFMG

Missão Brasil
Nascida no dia 25 de março de 1892 em Grodno, na Rússia, Helena Antipoff se naturalizou brasileira em 1951. Após ter trabalhado em instituições de abrigo e educação de crianças em situação de risco social na Rússia revolucionária e como professora assistente na Universidade de Genebra, Helena Antipoff recebeu, em 1929, o convite do governo de Minas Gerais para dirigir um dos primeiros laboratórios de psicologia estabelecidos no país, pertencente à Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte. Movida por esse desafio, mesmo com pouco conhecimento do idioma português, ela aceitou a missão.

Nas décadas de 1930 e 1940, liderou a criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e Sociedade Pestalozzi do Brasil e fundou o Complexo Educacional da Fazenda do Rosário – atual Fundação Helena Antipoff –, escola rural destinada, inicialmente, a educar e profissionalizar crianças excepcionais e abandonadas, cuja pedagogia incentivava a cooperação e a liberdade para experimentar. “Por causa da preocupação com os direitos da criança, Antipoff foi uma educadora que se dedicou, sobretudo, aos grupos sociais marginalizados, que incluíam, além das crianças com alguma deficiência orgânica, aquelas em risco social”, destaca Regina Campos.

Helena Antipoff fundou, em 1939, a cadeira de psicologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Minas Gerais (atual UFMG) e, em 1955, criou, com um grupo de alunos e colaboradores, a Sociedade Mineira de Psicologia, uma das articuladoras do movimento nacional que culminou na regulamentação da profissão em 1962.

Em 1972, Helena Antipoff recebeu o título de professora emérita da UFMG. Ela faleceu na Fazenda do Rosário em 9 de agosto de 1974.

Carla Pedrosa | Assessoria de Comunicação da Biblioteca Universitária