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Biblioteca da Escola de Música abriga segundo maior acervo nacional do universo do violão

Raridades, como partituras manuscritas e itens de apresentadores de rádio, integram a coleção de José Pascoal Guimarães

Recorte do Boletim Informativo Minas Caixa, de maio de 1981, sobre José Pascoal Guimarães
Em maio de 1981, o Boletim Informativo Minas Caixa publicou matéria sobre José Pascoal Guimarães Imagem: Acervo Pascoal Guimarães | Biblioteca da Escola de Música da UFMG

Cerca de dez mil partituras, manuscritas e impressas, e aproximadamente mil LPs, além de fotos, gravações, discos, cartas, entre outros documentos e objetos relacionados ao violão e sua história — principalmente em Minas Gerais —, compõem o acervo doado pela família do colecionador José Pascoal Guimarães para a Biblioteca da Escola de Música da UFMG.

Segundo Humberto Amorim, maior estudioso dos acervos de violão do Brasil, a coleção Pascoal Guimarães configura-se, juntamente com os arquivos de Ronoel Simões – sob a guarda do Centro Cultural da Cidade de São Paulo –, como uma das mais importantes bibliotecas específicas de violão do país. A coleção abriga diversos itens de valor histórico, musicológico e musical.

Entre as preciosidades, está um disco de 78 rotações de Andrés Segovia e as partituras que o Maestro Torres registrou das gravações da obra de Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1955). O acervo conta também com partituras do violonista e compositor Mozart Bicalho, da década de 1950, época em que se mudou de Braúnas, interior de Minas, para Belo Horizonte. Na capital, ele residiu por dois anos na casa de José Pascoal e participou de saraus, alguns com a presença da cantora e compositora Clara Nunes.

Outro destaque do acervo é a gravação em vídeo, feita pelo colecionador, durante uma visita que recebeu do grande violonista carioca Raphael Rabello (1962-1995). A filmagem foi fonte de pesquisa da dissertação Raphael Rabello e 'Odeon', de Ernesto Nazareth, defendida em 2007, por Alvimar Liberato, no Programa de Pós-graduação em Música da UFMG.

Espelho das rádios belorizontinas
O acervo de Pascoal Guimarães tem ainda mais de 30 partituras, manuscritas por ele próprio, das composições de violonistas empíricos, como João Pinheiro e os apresentadores de rádio José Augusto Vieira e Sebastião Idelfonso, além de João Pinheiro. Segundo o professor do  Departamento de Instrumento e Canto da Escola de Música, Fernando Araújo, que intermediou o processo de doação do acervo à UFMG, “por meio desse material, pode-se ter um espelho da atividade musical das rádios belo-horizontinas nos anos 50 a 70”. Araújo acrescenta que, possivelmente, o material será objeto de estudo de seu orientando do mestrado, Roger Deboden.

Na avaliação preliminar da coleção, o estudante da UFMG destacou a riqueza do conteúdo do acervo, “que oferece a possibilidade de resgatar, além do contexto histórico e sociocultural do cenário da música da época, as obras de compositores que eram nomes frequentes nas emissoras, mas que, por vezes, ficavam às margens da literatura do violão”.

Graduação pioneira na UFMG
A UFMG foi a primeira universidade pública do país a ofertar o curso de violão, em 1976. Seu patrono, o professor José Lucena, conta que, ao ser contatado pela família de Pascoal, de quem era amigo, para falar sobre a doação do acervo, não hesitou em indicar a Escola de Música da UFMG.

“A Escola de Música da UFMG ancora os principais profissionais da área e é o lugar ideal para abrigar essa importante biblioteca. Conheci o Pascoal anos antes de introduzir o curso de violão na Universidade. Como ele tinha muitos recursos, adquiria os instrumentos, discos e partituras mais recentes, e o acervo dele era sempre atualizado. A casa do Pascoal era frequentada por todos nós, profissionais da música, era onde podíamos encontrar as novidades da área. Espero que a coleção continue sendo usufruída por aqueles que buscam uma formação sólida. Quem tiver juízo, que beba nessa fonte de pesquisa maravilhosa”, aconselha o professor.

Paixão compartilhada
Bancário bem-sucedido, João Pascoal Guimarães não hesitava em investir recursos na paixão pela música. Dedicou uma vida inteira a colecionar objetos relacionados ao universo do violão. Sua coleção começou com um manual da Escola de Tarrega, adquirido para aprender, autodidaticamente, a tocar violão, na época em que morou com o violonista Mozart Bicalho.

Foto do colecionador José Pascoal Guimarães
O colecionador José Pascoal Guimarães Foto: Acervo da família de José Pascoal Guimarães

Pascoal conviveu, ao longo da vida, com outros célebres compositores. Recebeu, em casa, a visita de artistas renomados, como Raphael Rabello, Aliéksei Vianna e Geraldo Vianna. Professores e estudantes de música também eram sempre bem-vindos na residência do colecionador, que com eles compartilhava seus conhecimentos e cópias de partituras.

“A casa dele era uma espécie de centro violonístico. Conheci o José Pascoal por meio do professor José Lucena. Pascoal disponibilizava, gratuitamente, as cópias das partituras, e isso foi muito importante na formação de muitos violonistas. Na época, a maioria dos materiais eram importados e caríssimos, diferente de hoje, quando tudo está disponível em plataformas como YouTube e Spotify. Então, a gente ia à casa do Pascoal e fazia as cópias dos discos de vinil em cassete, ampliando nosso repertório”, conta o professor Fernando Araújo.

Zelo na guarda
O acervo Pascoal Guimarães está alocado em uma sala especial na Biblioteca da Escola de Música, com condições adequadas para preservá-lo e disponibilizá-lo para consulta. A equipe da biblioteca está fazendo a triagem e o ordenamento em arranjo alfabético por autoria das composições. “Dessa forma, mesmo antes da catalogação propriamente dita, o acervo estará em condições de consulta por parte do público, mediante agendamento prévio", explica a bibliotecária Rachel Mariana de Oliveira. O agendamento deve ser feito pelo e-mail bib@musica.ufmg.br.

Família de José Pascoal, na  Biblioteca da Escola de Música, com fotografias do acervo
Na biblioteca, familiares de José Pascoal mostram fotografias do acervo Foto: Biblioteca da Escola de Música da UFMG

Para a filha de Pascoal, Ruth Mendes Guimarães, tão importante quanto manter viva a memória do acervo construído pelo pai é dar continuidade ao trabalho de disponibilização das valiosas informações que ele abriga. “Meu pai sempre teve muita alegria em compartilhar o conhecimento sobre música, e queremos manter esse legado”, enfatiza.

“A coleção foi apresentada à equipe da Biblioteca pelo professor Fernando Araújo, em belíssimo texto que detalhava toda sua importância e serviu de base para destinarmos os itens que a compõem à sala que a abriga atualmente", esclarece a bibliotecária Aline Pimenta. A coordenadora da Biblioteca, Elizabeth Rolim, complementa: "Somos muito gratas ao professor, pela intermediação, e sobretudo à família, pela doação do acervo. Ao receber a coleção, a Biblioteca da Escola de Música cumpre a missão de prover acesso a documentos musicais de Minas Gerais e do mundo, contribuindo para as ações de ensino, pesquisa e extensão da Universidade”.

Carla Pedrosa | Assessoria de Comunicação da Biblioteca Universitária