Conceito de deficiência deve transcender o modelo biomédico, afirma Izabel Maior
Professora da UFRJ falou sobre a lei brasileira de inclusão durante a Semana de Saúde Mental
O que define uma pessoa com deficiência não é a necessidade que ela tem de fazer uso da cadeira de rodas para se locomover ou da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para se comunicar, mas, sim, a falta de oportunidades que enfrenta como verdadeiras barreiras impostas pelas sociedades. A luta política pelos direitos das pessoas com deficiência e a luta antimanicomial, que foram coroadas com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), trazem nova perspectiva para o conceito de pessoa com deficiência, que precisa evoluir para além do modelo biomédico.
A avaliação é da professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-secretária nacional de promoção da pessoa com deficiência, Izabel Maior, que participou na última quinta-feira, dia 19, da programação da Semana de Saúde Mental e Inclusão da UFMG.
Durante sua exposição, com o título Lei Brasileira de Inclusão – de onde viemos, onde estamos e para onde vamos, a professora destacou as barreiras impostas pela sociedade, como o preconceito, a discriminação (considerada crime com pena de reclusão e pagamento de multa), a falta de acessibilidade e de oportunidades para a participação das pessoas com deficiência nas diversas áreas sociais. Também o capacitismo (conceito novo, traduzido da língua inglesa) foi classificado por Izabel como "verdadeira muralha", como ilustra a charge de Ricardo Ferraz, apresentada por ela, “porque ignora as diferenças e considera que todas as pessoas devem ter um único tipo de corpo, um só pensamento e um único comportamento”.
“Dos mais de 7 bilhões de habitantes do planeta, cerca de 15% são pessoas que apresentam diferenças, que até podem ser chamadas de deficiências, mas que jamais podem ser motivo de discriminação nem impedir que elas tenham oportunidades e direitos iguais”, defendeu a professora.
Conquista
A evolução conceitual do modelo biomédico, que considera deficiência como doença, para o modelo social, em que a pessoa é considerada de forma completa, na sua condição física, social e relacional, é uma conquista registrada na Convenção da Organização das Nações Unidas (2006), que repercutiu, nove anos depois, na própria Lei Brasileira de Inclusão.
“Pela primeira vez, as pessoas com deficiência e sobreviventes dos hospitais psiquiátricos opinaram diretamente em plenário, na ONU, para que tivéssemos um texto moderno. Os artigos 12 e 14 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência representaram grandes conquistas para organizações de ex-pacientes das instituições psiquiátricas. Agora somos reconhecidos de forma igual perante a lei e temos garantia da capacidade jurídica e civil”, destacou Izabel Maior.
A professora contou que ela própria se tornou uma pessoa com deficiência, na década de 1970, quando cursava o quarto período de Medicina e sofreu uma lesão na coluna. Outro aspecto enfatizado por Izabel Maior é a própria denominação de pessoa com deficiência mental, ou psicossocial, ainda não adotada pelos próprios usuários do serviço de saúde mental. “A palavra deficiente ainda é estigmatizada, mas não deve ser entendida como rótulo, mas como meio para se buscar a acessibilidade e inclusão”, observou.
Conceito relacional
Izabel Maior destacou, ainda, que a avaliação da pessoa com deficiência, para fins da legislação brasileira, deve ter um caráter biopsicossocial. Ainda aguardando regulamentação, a determinação reflete o resultado do longo trabalho de equipes multidisciplinares na construção do Índice Brasileiro de Funcionalidade. “Nessa nova perspectiva, a pessoa com deficiência será avaliada não apenas pelos impedimentos das funções e estruturas corporais, mas também na perspectiva dos fatores socioambientais, psicológicos e pessoais que possam influenciar na limitação do desempenho de atividades e na restrição da sua participação social”, relatou.
Para Izabel Maior, a avaliação não é para rotular, mas para contribuir para que as instituições executoras de políticas de ações afirmativas encontrem as pessoas que delas necessitam. “Deficiência como um conceito relacional é uma perspectiva nova que está sendo compreendida até mesmo pelas próprias pessoas com deficiência, que, por muito tempo, tiveram de correr atrás de laudos e mais laudos, até mesmo contraditórios, para acessar políticas públicas. Por isso, precisamos do Índice Brasileiro de Funcionalidade, que nos dá condições de modular o grau de deficiência no ambiente e na realização da atividade", defendeu.