Ensino fundamental tem mais estudantes com deficiência, mas parte deles evade nos anos finais
Estudo da Faculdade de Educação e da Unesco, que será lançado nesta terça, também investigou as variáveis sexo, cor/raça e situação socioeconômica
As matrículas de crianças e jovens com deficiência no ensino fundamental têm aumentado no Brasil, o que resulta de esforços feitos nas últimas duas décadas, mas parte desses estudantes acaba deixando o ensino regular ou evadindo quando muda de nível educacional. Esse é um dos achados de estudo realizado por grupo da Faculdade de Educação da UFMG em parceria com a Unesco. O relatório final da pesquisa Inclusão, equidade e desigualdades entre estudantes do ensino fundamental de escolas públicas no Brasil será lançado em encontro virtual nesta terça, 30 de agosto, a partir das 15h.
Esse é o quarto estudo de série iniciada em 2012, que tem financiamento do Ministério da Educação. Os três primeiros trataram de exclusão intraescolar, desigualdades de aprendizado e qualidade de infraestrutura. Dessa vez, os integrantes do Núcleo de Pesquisas em Desigualdades Escolares (Nupede), vinculado à FaE, concentraram-se em estatísticas de matrículas segundo sexo, cor/raça, nível socioeconômico e condição de deficiência, fizeram análises espaciais para visualizar desigualdades regionais na relação com esses perfis e análises das correlações dos indicadores escolares e taxas de rendimento com a composição social. Os estudos foram subsidiados por dados do Censo Escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), ambos do Inep, e indicadores escolares construídos com esses dados.
O fator gênero não se mostrou marcador significativo de desigualdade de matrículas, mas as variáveis cor/raça e condição de deficiência tendem a ser mais heterogêneas nos estados e municípios onde a desigualdade socioeconômica é mais acentuada. O estudo também constatou que escolas com maior presença de alunas têm ambiente mais favorável ao ensino-aprendizagem.
A concentração de estudantes com deficiência é maior no Sul e Centro-Oeste. As regiões Sudeste e Nordeste apresentam variação interestadual mais pronunciada, o que dificulta apontar uma tendência regional. O Ceará é exceção, pois a média de matrículas de alunos de inclusão é superior à dos demais da região Nordeste. Na região Norte, mesmo considerada a maior extensão territorial de seus municípios, o desafio da inclusão de alunos com deficiência é grande.
De acordo com a professora Maria Teresa Alves, líder do Nupede e coordenadora do estudo, a pesquisa não encontrou associação clara entre a presença de estudantes com deficiência e taxas de rendimento escolar. Ela explica também que os jovens com deficiência parecem estar sendo direcionados para escolas com mais recursos, mas um número maior desses estudantes matriculados está relacionado a expectativas mais modestas dos docentes. Ocorre o contrário quando há maior proporção de meninas e alunos brancos.
"Expectativa elevada dos professores quanto ao desempenho de suas turmas está associada a melhor rendimento. Verificamos também que as escolas com muitos estudantes pretos e com deficiência têm, em geral, infraestrutura ruim. E justamente os jovens mais vulneráveis são os que mais precisam de melhores condições e de boas expectativas", afirma Teresa, que dividiu coordenação da pesquisa com a colega Valéria Oliveira. Os estudos realizados pela FaE e Unesco também envolvem alunos de graduação e pós-graduação e dão origem a trabalhos finais de cursos, dissertações e teses.
Inclusão efetiva
Segundo o relatório, as análises das correlações entre indicadores de oferta e composição social tendem a corroborar os padrões da literatura educacional – ou seja, o estudo mostra que escolas da zona rural, frequentadas por jovens negros, predominantemente homens e de nível socioeconômico mais baixo têm correlação negativa com quase todos os indicadores de oferta, apresentam índices menores de aprovação e maior defasagem idade-série.
O documento que reúne os resultados do estudo recomenda, entre outras medidas, investimentos em projeções populacionais para pequenas áreas, contemplando recortes etários e socioeconômicos para novas pesquisas sobre as desigualdades escolares. O texto afirma que, para incluir de forma efetiva e elevar as expectativas sobre as potencialidades dos estratos mais vulneráveis da população, não basta garantir mais matrículas, é necessário formar professores e melhorar currículos e práticas pedagógicas.
"Os resultados que estamos divulgando devem apoiar a discussão sobre as condicionalidades previstas na lei do novo Fundeb [Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica], que ainda não foram regulamentadas, e somar-se ao conhecimento acumulado por outras pesquisas brasileiras com vistas a contribuir para aumentar e aprimorar os mecanismos de justiça em educação", diz Maria Teresa Alves.
A professora enfatiza que os trabalhos desenvolvidos pelo Nupede foram possíveis porque o acesso aos dados era livre – segundo ela, o Inep passou a restringir esse acesso, que é autorizado apenas presencialmente em Brasília, o que burocratiza, encarece e, portanto, dificulta a pesquisa. Teresa ressalta ainda que o Brasil "tem muitos dados e de boa qualidade, mas há pouco diálogo entre as bases, o que é fundamental para a produção do conhecimento".
A live de apresentação do relatório terá início às 15h e será transmitida pelo YouTube.