Pesquisa e Inovação

Equipe da UFMG retorna à Serra das Confusões, no Piauí, para ampliar exploração arqueológica

Unidade de conservação, que abriga espécies de cerrado e caatinga, esconde vestígios de civilizações antigas em seus paredões multicolores

Professores e estudantes em escavação em 2022 na Toca do Olho d’Água das Andorinhas (Piauí):
Professores e estudantes em escavação em 2022 na Toca do Olho d’Água das Andorinhas, no Piauí: paredões multicolores escondem tesouros arqueológicosFoto: Mélanie Ligot

O Parque Nacional da Serra das Confusões, localizado no Sudoeste do Piauí, completará 25 anos de fundação neste ano. Maior unidade de conservação do bioma de transição entre caatinga e cerrado, a área abriga espécies ameaçadas de extinção e valiosos tesouros arqueológicos, escondidos sob seus imponentes paredões multicores, que estão ajudando a contar a história da origem do homem nas Américas.

Equipe liderada pelos professores Tiago Tomé, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG, e Grégoire van Havre, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), retornou neste mês ao parque para dar continuidade à pesquisa iniciada em 2019, no sítio Toca do Olho d´Água das Andorinhas. Além de especialistas da UFMG e da UFPI, a equipe é formada por pesquisadores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e conta com apoio da Missão Arqueológica Franco-Brasileira.

A área onde o grupo atua é um dos mais de 100 sítios arqueológicos já mapeados na Serra, desde a primeira expedição, nos anos 1990, liderada por pesquisadores da Fundação Museu do Homem Americano. As descobertas contribuíram para a criação da unidade de proteção, de mais de 800 mil metros quadrados, que abriga espécies do cerrado e da caatinga ameaçadas de extinção e da fauna, como o zabelê, a jacutinga, o tamanduá-bandeira, o veado-campeiro, o tatu-canastra, o guariba, a suçuarana e a onça pintada.

Técnicas
O trabalho da equipe tem utilizado a técnica de sensoriamento remoto por resistivimetria elétrica, para prospecção dos vestígios, testada pelo professor Leandro Surya (Univasf), e um método relativamente simples, a fotogrametria, para registrar os achados. “Essa técnica possibilita fazer registros fotográficos, por diferentes ângulos, dos vestígios descobertos e seu contexto, o que permite a geração de modelos 3D digitalizados”, explica Tiago Tomé.  

Os pesquisadores aguardam a datação dos achados da primeira escavação, que pode revelar ainda mais sobre o comportamento e a cultura dos primeiros habitantes da Serra das Confusões.

Uma menina
Entre os vestígios da primeira escavação, realizada no ano passado, como fragmentos ósseos de tatu, fogueiras e estacas de madeiras ainda intactas, alguns utensílios chamam a atenção, como um peso de tear em cerâmica, dois pingentes em pedra, além do  funeral humano, onde foi encontrado parte do esqueleto de uma menina, com idade entre 12 a 15 anos, provavelmente originária de indígenas do período pré-colonial.

“Os ornamentos do funeral, como as cerca de mil pequeninas contas em madeira, um fio de algodão trançado e um bracelete, são indícios da cultura do povo que ali habitou. E, ainda, a mecha de cabelo, que remete a uma longa trança, e a presença de espinha bífida na ossada (anomalia congênita do tubo neural) podem contribuir para ampliar a compreensão do comportamento do grupo, até mesmo em relação aos cuidados especiais que, provavelmente, foram demandados pela menina, por causa da patologia em sua coluna vertebral”, comenta Tiago Tomé. O estudo desse esqueleto está sendo realizado sob a coordenação da professora Claudia Cunha, do Laboratório de Osteoarqueologia da UFPI.

A excelente conservação orgânica dos achados arqueológicos, favorecida pelo clima quente e seco, cuja temperatura pode chegar até 43ºC no verão, alimenta grandes expectativas na equipe em seu retorno às escavações. “Agora, vamos ampliar a área de exploração e, se tudo ocorrer como na primeira vez, quando descobrimos esses itens logo no segundo dia de escavações, numa área de quatro metros quadrados e a apenas 15cm de profundidade, teremos ótimos objetos de estudo”, aposta Tomé.

Na avaliação do pesquisador, “a Serra das Confusões tem potencial para fornecer dados arqueológicos para as próximas gerações de pesquisadores, interessados em contar a história da ocupação humana no continente”. Ele também menciona o “caráter pedagógico de destaque” da expedição, ao propiciar o trabalho de campo a jovens pesquisadores a partir do terceiro período da graduação. O grupo permanecerá no Piauí até o mês de agosto.

O Parque da Serra das Confusões está situado em uma região formada por 12 municípios, que sofrem com a falta de infraestrutura viária, água potável e alimentos – um deles, Guaribas, atualmente com cerca de 4 mil habitantes, foi piloto do Programa Fome Zero, em 2003.

Teresa Sanches