Extensão

Faculdade de Medicina detalha resultados do censo de população de rua de BH

Trabalho realizado a pedido da Prefeitura mostra que esse contingente quase triplicou na última década e hoje totaliza 5,3 mil pessoas

.
Pesquisadores percorreram as nove regiões administrativas da capitalFoto: Prefeitura de Belo Horizonte

A população em situação de rua de Belo Horizonte quase triplicou na última década e hoje chega a 5.344 pessoas. Esse dado integra os resultados do Censo Pop Rua 2022, realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG, a pedido da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Os dados mostram que a grande maioria é formada por homens (84%) com média de idade de 42,5 anos; as mulheres representam 16% e têm em média 38,9 anos. Também foi destaque o aumento do tempo de permanência da população em situação de rua, que era de 7,4 anos, em 2013, e passou a ser de  11 anos.

O levantamento foi realizado no período de 19 a 21 de outubro por 300 pesquisadores que coletaram dados nas nove regionais de BH e apresentando na manhã desta quinta-feira, dia 9, na Faculdade de Medicina. O objetivo foi conhecer não só os números dessa população, mas também o motivo que levou as pessoas a viver dessa forma, assim como suas perspectivas de futuro. Foram ouvidas pessoas nas ruas, praças, nos terrenos baldios, restaurantes populares, entre outros locais.

O coordenador do censo, professor Frederico Garcia, do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina, observa que a população encontrada nas ruas coincide com os dados de usuários ativos de serviços da PBH, como os atendimentos de saúde e vacinação. “Essa coincidência funciona como um validador externo. Podemos dizer que o número encontrado pelo censo tem alto grau de certeza e está dentro da faixa esperada”, afirma.

Segundo o pesquisador, as informações qualitativas serão cruciais para adequação das políticas públicas. “Merecem destaque o aumento do tempo médio de permanência nas ruas, o envelhecimento dessa população e o impacto dos problemas de saúde mental na constituição desse grupo. Precisamos observar esses pontos para atuar de acordo com o Estatuto do Idoso na promoção de saúde e na prevenção de transtornos mentais entre crianças e adolescentes”, defende Garcia.

Para a realização do Censo Pop Rua 2022 – BH + Inclusão, a PBH, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, firmou parceria com a Faculdade de Medicina da UFMG, via Fundação de Apoio da UFMG (Fundep). Também colaboram o Movimento Nacional de População de Rua, a Associação de Luta por Moradia Para Todos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que integram o grupo técnico que acompanha, monitora e analisa a realização da pesquisa. O Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde (NAVeS) da Faculdade de Medicina da UFMG, responsável pela metodologia, também realizou o censo anterior, em 2013.

Frederico Garcia:
Frederico Garcia: alto grau de certeza sobre os dadosFoto: Bruna Carvalho | Medicina/UFMG

Família, drogas e desemprego
Das 5.344 pessoas registradas pelo Censo Pop, 2.507 responderam às perguntas dos pesquisadores. Desse total, 36,7% dos entrevistados relataram que foram para as ruas em virtude de problemas familiares; as outras razões mais citadas foram uso de álcool e drogas (21,9%) e desemprego (18%). Entre aqueles que não responderam ao censo, 20,96% apresentavam sinais de ebriedade ou intoxicação (20,96%) no momento da abordagem, e 19,44% se recusaram a atender os entrevistadores – essas foram as principais razões para a falta de respostas.

Sair das ruas é o desejo de 91,4% daqueles que hoje vivem essa realidade, mas eles esbarram sobretudo na falta de moradia (55,3%) e de acesso a um trabalho assalariado (55%). Enquanto 27% pensam que tornar-se beneficiário de programas de transferência de renda seria um mecanismo para deixar as ruas, 17% acreditam que poderiam ter uma nova vida com educação ou formação profissional, e 14,8% avaliam que os cuidados com a saúde é que devem ser priorizados.

A questão racial também apareceu como fator importante na constituição dessa população. São pardos ou pretos 82,6% das pessoas que estão em situação de rua na capital mineira.

A origem de 59,5% das pessoas não é Belo Horizonte; 34,5% vieram de cidades do interior de Minas Gerais, 23,2% são de outros estados, e 0,8%, de outros países. Na capital, as regiões com maior concentração são Centro-sul e Leste, onde está mais da metade das pessoas encontradas.

Alimentação e vacina
O poder público garante alimentação a quase 80% das pessoas em situação de rua na capital. Mais da metade delas (67,2%) recorre às refeições ofertadas nos quatro restaurantes populares (Centro, região hospitalar, Venda Nova e Barreiro), e 11,2% buscam os Centros Pop, abrigos e albergues. Doações de alimentos beneficiam 13,8% do público, e outros 10,9% pedem ajuda nas residências e a pedestres ou coletam comida nas ruas.

Um dos aspectos que se destacam entre os resultados da pesquisa é o índice de vacinação das pessoas em situação de rua contra a covid-19, que chega a 84,2%. Elas foram vacinadas nos abrigos e nas unidades de acolhimento da PBH.

Apesar das dificuldades, 42,4% dizem ter boa saúde, 28,7% acham que têm saúde regular, e 18,6% a consideram muito boa. Apenas 10,3% afirmam que a saúde está ruim. Aumentou o autorrelato de transtornos mentais, que subiu de 23%, em 2013, para 54%. As principais queixas são tabagismo (51%), uso de drogas (43%) e alcoolismo (40%). Mas há relatos de depressão (24,6%), outros problemas mentais (24,2%), hipertensão (13,4%) e doenças de pele (6,8%). A assistência médica é garantida, na maior parte das vezes, nos centros de saúde da Prefeitura (44,5%) ou hospitais e unidades de pronto atendimento, as UPAs (42,6%). 

O professor Frederico Garcia observa que a prevalência de esquizofrenia autorrelatada encontrada na pesquisa é cinco vezes maior do que na população em geral. “Muitas pessoas que estão na rua têm doenças tratáveis ou evitáveis que se relacionam com esse contexto social. A saúde mental, em especial na infância e adolescência, é um dos pontos para os quais precisamos olhar com cuidado para evitar a situação de rua”, ele ressalta.

Equipe escalada para o censo se prepara para entrevistas e coleta de dados
Equipe escalada para o censo se prepara para entrevistas e coleta de dados Foto: Prefeitura de Belo Horizonte

Institucionalização
É no Centro Pop que 29,8% das pessoas em situação de rua fazem sua higiene pessoal, e 24,2% usam para isso albergues e abrigos. São 27,9% os que garantem o pernoite fora das ruas nas instituições de abrigamento. Boa parte de quem está nas ruas (67%) diz estar sozinho, enquanto 27,3% alegam viver em grupo: 3,9% com filhos ou companheiro ou companheira, 1,5% com animal de estimação e 0,2% com crianças que não são filhos.

O Censo Pop 2022 mostrou, ainda, que, das pessoas em situação de rua, 87,6% são alfabetizadas, 8,8% apenas assinam o nome, e 3,5% não sabem ler ou escrever. Não chegaram a concluir os anos finais do ensino fundamental 21,4% das pessoas, e 19,4% não terminaram os anos iniciais. Nunca foram à escola 2,4% das pessoas, e o mesmo percentual representa as que têm curso superior completo.

O trabalho informal tem garantido algum tipo de renda para as pessoas que hoje estão em situação de rua – os valores variam de R$ 802 a R$ 1.243. A atividade exercida não foi identificada por 40,6% do público. A coleta de material reciclável é a atividade de 15,6% dos entrevistados. Uma parcela de 6% vende balas, frutas ou água nas ruas, outra de 4,6% lava carros ou presta  serviço de flanelinha, e 4,2% pedem dinheiro. 

Já passaram por abrigos ou albergues 62% dos moradores em situação de rua que responderam ao Censo Pop 2022. Comunidades terapêuticas, Cersams e sistemas socioeducativos são antecedentes de 26,6%, 18,5% e 11,6%, respectivamente. Cerca de 10% dos entrevistados já estiveram em hospitais psiquiátricos.

Os Centros Pop e os CREAs são as unidades mais utilizadas pelos homens (59,5% e 41,1%, respectivamente); as mulheres, por sua vez, recorrem ao Serviço Especializado em Abordagem Social (59,5%) e aos Centros Pop (39,8%).

Os dados preliminares já foram entregues à PBH, que passa a contar com novas evidências científicas para elaborar políticas públicas. O relatório final será entregue nas próximas semanas.

Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina | com Prefeitura de BH