Pesquisadores da UFMG discutem urgências da luta antiLGBT+fobia
Brasil segue sendo o país que mais registra homicídios por ódio contra essa população
Apesar de há exatos 33 anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter retirado a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID), a população LGBT+, formada pelas pessoas não heterossexuais e/ou não cisgênero, continua enfrentando preconceitos e sendo vítima de crimes de ódio. No Brasil, a situação é ainda mais grave: há mais de uma década, o país é onde se mata por discriminação contra orientações sexuais e identidades de gênero LGBT+, de acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB).
A sigla LGBTQIAPN+ é, atualmente, a mais moderna e inclusiva para se referir à população não heterossexual e/ou não cisgênero no Brasil. Cada uma das nove letras evidencia a existência de ao menos um grupo específico da população em questão. Se, por um lado, mais grupos afirmam sua existência, por outro, um certo excesso de subdivisões pode segregar e enfraquecer a luta por direitos humanos do coletivo maior.
Na avaliação da professora Joana Ziller, coordenadora do Grupo de Estudos em Lesbiandades (GEL), a união é uma das principais urgências do movimento LGBT+. “É preciso lutar junto. Cada segmento tem as próprias necessidades, e, muitas vezes, esses grupos nem são tão identificáveis assim. Nós, mulheres lésbicas, homens gays, pessoas bissexuais, pessoas transgênero e todas as pessoas do espectro LGBTQ+, além de mulheres e pessoas negras em geral, precisamos entender que estamos em lugares similares, de vulnerabilidade. Em vez de discriminar o outro, a gente deve dar as mãos, entender que essas lutas são conjuntas e interseccionais”, afirma Ziller, que é docente do Departamento de Comunicação Social da Fafich.
Direitos humanos: momento paradoxal
A luta dos grupos marginalizados e vulneráveis socialmente, em um sentido mais amplo, é a luta por direitos humanos. Na UFMG, o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH) estuda políticas públicas direcionadas a essa população e questões transversais relacionadas à vivência LGBT+. Para o coordenador do NUH UFMG, professor Marco Aurélio Máximo Prado, muitas urgências marcam a luta das pessoas não hetero e não cis no Brasil, com destaque para a necessidade de se expor o paradoxo político que o país vive no momento. Após quatro anos de um governo federal liderado pela extrema-direita e dominado por pautas conservadoras e cis-heteronormativas, as casas legislativas do Brasil chegaram, em 2023, a acumular 63 projetos de lei contra a população trans. Ao mesmo tempo, o país, desde o início deste ano, é liderado por um governo de esquerda, que busca dar um enquadramento institucional para o desenvolvimento de políticas públicas LGBT+ e para o avanço com relação a alguns direitos não conquistados no Brasil.
“Há um enquadramento institucional que favorece a discussão pública sobre como governar para a população LGBT, evidenciada pelo renascimento do Conselho Nacional LGBT e pela instituição da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, sob gestão da Simmy Larrat, ativista trans e gestora de longa data, que tem um vínculo orgânico com os movimentos sociais. Simultaneamente, há uma ofensiva transnacional, com destaque para Estados Unidos, Turquia, Polônia, Guatemala e Rússia, que é antipessoas trans e deixou rastros no Estado brasileiro”, contrapõe Máximo.
Legislações em foco e população em risco
Os crimes de ódio contra a população LGBT+ só foram tipificados pela legislação brasileira em 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela aplicação da Lei do Racismo (7.176/1989) para enquadrar crimes de homofobia e transfobia, até que o Congresso Nacional edite lei específica. Para Marcelo Ramos, coordenador do Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero (Diverso) da Faculdade de Medicina, o Brasil teve alguns importantes avanços na legislação, nos últimos anos, como a criminalização da homofobia e o reconhecimento da união estável e do casamento homossexual, assegurados por decisão do STF, em 2011, e por resolução do Conselho Nacional de Justiça, em 2013.
Entretanto, Ramos sustenta que as leis precisam avançar mais para proteger as pessoas LGBT+, garantir acesso a direitos essenciais e punir quem desrespeita essa população. “A gente fala de uma população que sofre toda sorte de violência, que tem dificuldade de acesso a vários recursos fundamentais. Portanto, apesar de alguns avanços, ainda observamos elevados índices de violências contra essa população, em especial, de mortes”.
Assim como o coordenador no NUH UFMG, o líder do Diverso também destaca os recentes ataques à população trans no Brasil. “Aqui e em outras partes do mundo, as pessoas trans estão sendo constrangidas de diversas formas, com tentativas de impedir por lei, por exemplo, o uso de banheiros do gênero com o qual a pessoa se identifica, tratamentos de hormonização e de redesignação de gênero”, destaca Ramos.
O Diverso UFMG oferta um curso virtual e gratuito, Direitos da pessoa LGBTQIA+, com inscrições até 3 de junho. A iniciativa motivou a produção de vídeo pelo Núcleo de Redes Sociais do Centro de Comunicação (Cedecom), publicado no Instagram da UFMG neste Dia Internacional de Luta Contra a LGBT+fobia (17 de maio).
Canais de denúncia
Denúncias de crimes de LGBT+fobia podem ser registradas via telefone, por meio de ligação gratuita para o número 100 (Disque Denúncia). Na cidade de Belo Horizonte, a população LGBT+, vítima de violências por discriminação à orientação e/ou à identidade de gênero, pode registrar ocorrência em alguma base comunitária móvel ou companhia da Polícia Militar, exigindo sempre o preenchimento dos campos nome social, identidade de gênero e orientação sexual nas ocorrências policiais, conforme orientação da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
Além disso, a capital mineira abriga a Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), localizada na Avenida Barbacena, 288, 3º andar – Barro Preto, BH. O telefone é (31) 3330-5780.