Historiador debate falta de punição a Pazuello e seus desdobramentos no Exército e nas PMs
Professor da UFRJ Carlos Fico teme que a decisão possa sinalizar permissão para policiais militares adotarem posicionamentos políticos
Nas eleições de 2018, o então deputado federal e atual presidente, Jair Bolsonaro, evidenciou seu passado como capitão reformado do Exército e voltou às frentes militares em busca de apoio para sua candidatura. Quando eleito, concedeu às Forças Armadas um espaço inédito no governo, somando mais de 130 oficiais ocupando cargos executivos ao longo dos últimos anos.
Recentemente, o debate a respeito da politização das Forças Armadas voltou à tona diante da decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da saúde, por participar de um ato político feito por Bolsonaro no dia 23 de maio no Rio de Janeiro, após um passeio de moto na cidade.
O procedimento administrativo foi aberto, pois militares da ativa não podem se manifestar politicamente, mas foi arquivado na sequência pelo Exército, que alegou que “não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General Pazuello”. A instituição impôs 100 anos de sigilo ao processo com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), argumentando que a documentação contém dados pessoais do ex-ministro.
O programa Conexões desta quarta, 9, convidou para analisar as implicações e riscos da politização das Forças Armadas o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), historiador e especialista em ditadura militar brasileira, Carlos Fico. O pesquisador chamou atenção para o fato de não haver proibição de militares da ativa ocuparem cargos no governo, o que deveria ser corrigido pelo Congresso.
Para o historiador, a imagem de um alinhamento do Exército ao presidente já era forte pelo grande número de oficiais na gestão Bolsonaro e se intensificou com a falta de punição a Pazuello por um ato de clara indisciplina, como define o professor. Ele ainda explicou que a decisão foi tomada por pressão do mandatário do Executivo e que a figura do comandante Paulo Sérgio de Oliveira saiu desgastada do episódio, pois passa uma mensagem de submissão, ainda que ela não exista de fato, e há militares insatisfeitos com a situação.
Além disso, o especialista fez uma análise do modo como o Estado Brasileiro lidou com as questões do regime militar após a redemocratização. De acordo com Carlos Fico, a transição da ditadura para a democracia sem ruptura, a Lei da Anistia – que impediu a punição de crimes contra os direitos humanos – e a própria postura do Exército em jamais assumir o que foi o regime militar não colabora para uma boa relação entre civis e militares, uma relação em que o poder político civil tenha proeminência.
O docente também expressou preocupação com polícias militares cada vez mais alinhadas ao governo em um cenário de eventual derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. “O que mais me preocupa nem são as Forças Armadas, mas justamente essas polícias militares porque nesses setores, e também militares de patentes inferiores, há bastante apoio ao presidente Bolsonaro. Se houver, por exemplo, no ano que vem, uma derrota na tentativa de reeleição e caso haja no Brasil algo do gênero daquela invasão do Capitólio (nos Estados Unidos), com esses grupos bolsonaristas radicalizados, por exemplo, invadindo o Tribunal Superior Eleitoral, a dúvida que fica é justamente essa: se a polícia militar agiria como deveria agir, pondo fim a um tipo de manifestação como essa, ou se seria leniente e tendenciosa, na medida dessas características de um alinhamento com o governo atual”, questiona.
Produção: Alessandra Dantas e Laura Portugal, sob orientação de Luiza Glória
Publicação: Alessandra Dantas