‘Minha vida é indissociável da UFMG’, diz Antonio Anastasia, novo ministro do TCU
Recém-empossado, o ex-governador e ex-senador foi aluno e é professor da Faculdade de Direito
Empossado, no início deste mês, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Augusto Junho Anastasia passa a exercer uma função totalmente nova em sua trajetória. Após décadas de atuação na docência – é professor licenciado da Faculdade de Direito da UFMG – e nos poderes Executivo e Legislativo, ele assume protagonismo em atividades relacionadas ao controle externo da administração pública brasileira.
Anastasia foi secretário de estado e governador de Minas Gerais, secretário-executivo dos Ministérios do Trabalho e da Justiça e senador da República nos últimos sete anos, antes de ser indicado pelo Congresso Nacional para a vaga aberta pela nomeação de Raimundo Carreiro para o posto de embaixador do Brasil em Portugal.
Bacharel (1983) e mestre (1990) em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Anastasia tornou-se, por concurso, em 1993, professor do Departamento de Direito Público (DIP) da Faculdade. É servidor de carreira aposentado da Fundação João Pinheiro, que chegou a presidir, e foi assessor especial do relator da 4ª Assembleia Constituinte do Estado de Minas Gerais. Em 2006, foi eleito vice-governador de Minas Gerais e tomou posse como governador em março de 2010. No mesmo ano, foi reeleito governador com mais de 6 milhões de votos, em outubro de 2010. Quatro anos depois, Anastasia tornou-se senador por Minas Gerais. No Senado, foi vice-presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e vice-presidente da Casa.
Nesta entrevista, Antonio Anastasia fala de sua relação com a UFMG – “é minha alma mater, origem de toda a minha trajetória” –, das expectativas sobre o trabalho no Tribunal, da influência da família de professores e da importância de características pessoais suas, como o equilíbrio e a moderação, em todos os papéis da vida pública.
O que representa, em sua trajetória, a nomeação para o TCU?
O Tribunal de Contas da União é um órgão de natureza constitucional, muito importante do ponto de vista do ordenamento institucional, responsável pelo controle externo da administração pública brasileira. Trabalha em sintonia com o Congresso Nacional, já que integra o Poder Legislativo, e é composto de ministros indicados pelo próprio Congresso e pela Presidência da República. Tem no escopo de sua atuação questões vinculadas à administração pública, ao direito administrativo, à contabilidade, à economia, que são temas muito caros e presentes na minha trajetória pessoal. A indicação do meu nome para o Tribunal, que me orgulhou muito, está relacionada à convergência dos meus estudos acadêmicos na área do direito administrativo com a minha atuação na gestão pública, quer como secretário de estado, vice-governador e governador de Minas, quer como senador.
Essa experiência bastante heterogênea vai contribuir para que eu atue de maneira bastante efetiva, espero eu, para acompanhar rigorosamente a aplicação dos recursos, mas também para entender as dificuldades dos gestores no dia a dia.
Que desafios pessoais o senhor imagina que sejam os mais interessantes nessa nova etapa?
Nunca exerci a função de juiz. Sempre fui um homem da administração pública, um executivo, professor, ocupei cargos na administração pública e tive um mandato no Parlamento. Pela primeira vez exerço uma função que tem natureza jurisdicional, ainda que no âmbito administrativo. Como ministro do Tribunal, o primeiro desafio é a própria tarefa de julgar, que sabemos que não é fácil. Sempre há duas ou três posições, é preciso ser muito equilibrado, ter muito conhecimento, aprofundar-se nas questões. Um juiz deve ser sempre, pela sua formação e por seu exercício, uma pessoa ponderada, com bom senso e equilíbrio. E eu acredito que tenho esses atributos. Os desafios serão superados com o conhecimento prático dos procedimentos do Tribunal de Contas, que são muito diferentes daqueles do Poder Judiciário e também daqueles a que eu estava acostumado, no Executivo e no Legislativo. É uma questão de tempo para que eu me insira de maneira total na ritualística específica do controle externo.
São reconhecidas sua vocação para o serviço público e características pessoais como o equilíbrio e o talento para a conciliação. Que outros traços de sua personalidade foram decisivos para sua atuação executiva e parlamentar?
Eu acho, de fato, que o meu perfil, digamos assim, é muito vocacionado para a conciliação, a convergência, o diálogo. Defendo muito a serenidade, sempre digo que no grito não se ganha nada, ao contrário, temos que sempre buscar identificar a condição de equilíbrio. Como defenderam os gregos antigos, a virtude está no meio, no ponto de equilíbrio. Isso sempre marcou a minha trajetória, tanto no Executivo quanto no Legislativo. No Legislativo ainda mais: o Parlamento tem mesmo essa função, que está no próprio nome, que remete a conversar, falar. No meu exercício de senador, nesses últimos sete anos, me empenhei muito nessa linha, e acho que consegui ajudar na conciliação em muitos casos. Minha personalidade tem esse traço. Mas isso não significa que seja o mais correto ou o ideal, cada pessoa tem um estilo, e isso é bom. Temos que respeitar uns aos outros. É importante conhecer como uma pessoa age e saber que ela tem um outro tipo de comportamento. Em caso de conflitos, divergências, sempre faço o esforço de me pôr no papel da outra pessoa, para compreender o que ela está sentindo, isso facilita a convergência. Essa característica me ajudou muito, e espero que seja útil também aqui, no Tribunal de Contas da União.
Que experiências o senhor leva para o Tribunal, tanto de suas gestões como secretário e governador de Minas quanto de seu mandato no Senado? Que contribuições considera mais relevantes, no Executivo e no Legislativo?
Trago para o Tribunal 40 anos de experiência na administração pública, mineira e brasileira. Tive uma experiência muito rica, muito jovem ainda, como assessor do relator da Constituinte mineira, o deputado Bonifácio Mineira. Naquele momento, ainda com 27 anos de idade, pude conhecer as entranhas do estado de Minas Gerais, todas as demandas da sociedade, dos órgãos públicos. Depois disso, ocupei vários cargos, inclusive de governador de estado, o que também propiciou experiência extremamente rica. Mas o fundamental, de novo, é a capacidade de entender o outro e o esforço de realizar o bem comum, que é sempre a moldura e o amparo do exercício da função executiva. O mandato no Senado é diferente. As pessoas me perguntam o que é melhor, ser governador ou senador. Eu digo que ambos são muito bons. Como em tudo, há ônus e bônus. O cargo de governador implica grande responsabilidade executiva, são 24 horas ao dia sob tensão. Você é responsável por tudo. No caso dessa tragédia recente em Petrópolis [deslizamentos de terra causados pela chuva, sobretudo no dia 15 de fevereiro, provocaram mais de 200 mortes], imagine o pesadelo do governador do estado do Rio. Enfrentei situações parecidas em Minas. O Senado já não tem essa tensão permanente, existe a necessidade do equilíbrio com seus pares. O senador é um entre 81 e precisa usar com muita efetividade seu poder de convencimento para mostrar que sua tese, seu projeto de lei deve ser aprovado. São experiências distintas, mas ambas muito relevantes.
Posso citar, como contribuição importante no executivo, a valorização da educação. A professora Ana Lúcia Gazzola [reitora da UFMG na gestão 2002-2006] foi secretária de Educação na minha gestão. Me orgulho de termos realizado um trabalho que levou Minas Gerais aos primeiros lugares do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]. Houve investimentos nas escolas, em infraestrutura e, especialmente, um avanço grande com o Programa de Intervenção Pedagógica, o PIP. No legislativo, entre outras iniciativas bem-sucedidas, destaco as alterações da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que chamamos Lei de Segurança Jurídica. Ela garante ao gestor público condições para atuar com tranquilidade, seguro de que não será punido se tiver errado de boa-fé, sem dolo. Considero essa a minha maior contribuição no processo legislativo. E fui relator da Lei de Licitações, tema do direito administrativo de que gosto muito.
O senhor foi aluno de destaque e professor homenageado por várias turmas, na Faculdade de Direito. Quais são suas memórias mais fortes da UFMG, como estudante e como docente?
A Universidade é minha alma mater, a origem de toda a minha trajetória. Iniciei a graduação aos 17 anos, depois fiz o mestrado e o concurso para professor de Direito Administrativo. Os anos mais felizes da minha vida foram os cinco anos da graduação. Sempre disse aos meus alunos que esse é um período áureo. Ainda estudante, integrei o Departamento de Assistência Judiciária (DAJ), que tem grande valor, porque atende aos mais necessitados. E também o Centro Acadêmico Afonso Pena, onde já demonstrava gosto pela política. Recebi influência muito positiva de excelentes professores. No Direito Administrativo, não posso deixar de mencionar o professor Paulo Neves de Carvalho, já falecido, um mestre de todos nós, e o professor Vicente Paula Mendes, hoje aposentado. Ambos contribuíram não só para minha formação acadêmica e profissional, mas também para minha vocação para o serviço público. Já na vida política, fui adjunto, em cargos em Brasília, do professor Paulo Paiva, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.
Como docente, tenho a honra de ter sido homenageado por diversas turmas de formandos e de poder contribuir para a formação de tanta gente. Esses dias mesmo recebi exemplares de dois livros de um ex-aluno, que fez pós-doutorado no exterior, é procurador da República. Essa é a melhor remuneração, digamos assim, que um professor pode ter: saber que seus alunos foram vocacionados para a academia e para suas profissões e que são bem-sucedidos. Contei, inclusive, com muitos ex-alunos nas minhas equipes, nos diversos cargos que ocupei. Por isso, tenho muito orgulho de ser professor da Universidade.
Como vê hoje o papel da UFMG, em particular, e das universidades públicas, em geral, para o desenvolvimento do Brasil?
Sempre digo publicamente que o papel da universidade pública é imprescindível em qualquer nação, e em especial no Brasil, um país tão grande, com tantas carências na ciência, na tecnologia, na educação. É preciso fomentar e estimular as universidades públicas. Me manifestei desse modo no Senado, votando sempre nesse sentido. E acredito que Minas Gerais é favorecida porque temos muitas universidades federais, entre as quais a UFMG, que é a mais antiga, a maior e a mais bem avaliada. Nessa crise da pandemia, a Universidade tem desempenhado papel extraordinário, orientando a administração pública, fazendo pesquisa, inclusive para o desenvolvimento de vacinas. Sempre disse que Minas Gerais tem o melhor capital humano do Brasil, e boa parte desse capital humano é egressa das nossas universidades públicas
Ao longo dos anos, em sua atuação como gestor, o senhor manteve interação com a UFMG...
Voltando bastante no tempo, ao início da minha atividade profissional, fui advogado da Fundep [Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa da UFMG], uma grande experiência como advogado, e tinha relacionamento direto com a gestão da UFMG. Quando secretário e governador de Minas, fiz parcerias muito estreitas com a Universidade. Houve vários projetos em comum, como o Parque Tecnológico de Belo Horizonte, o BH-TEC, o parque olímpico do CEU [Centro Esportivo Universitário] e programas na área da economia e do desenvolvimento. E a Universidade cedeu quadros valiosos para meu governo. Minha vida é indissociável da UFMG, nos aspectos pessoal, profissional e acadêmico.
Suas duas irmãs são professoras da UFMG [Maria de Fátima Junho Anastasia, aposentada do Departamento de Ciência Política, e Carla Maria Junho Anastasia, do Departamento de História], e o senhor menciona sempre a influência da família, marcada pelo magistério e pelas funções públicas. Fale desses e de outros aspectos dessa influência.
Cada indivíduo é fruto de várias circunstâncias, e uma delas é o nosso ambiente, onde crescemos, onde nos formamos. Minha família por parte de mãe é ligada à intelectualidade: minha avó foi diretora de escola, era escritora, minha mãe também foi professora, teve contos premiados, e minhas irmãs são docentes. A família do meu pai, italiana, se dedicou ao comércio, mas ele, apesar de não ter formação, sempre foi muito curioso, gostava muito de ler. Na nossa juventude, ele comprava todas as enciclopédias, nós líamos muito. Então, criou-se um ambiente muito favorável ao estudo. Esse ambiente, é claro, estimula a pessoa curiosa, que tem um dom, um gosto pela leitura e pela pesquisa. Enfim, tive a sorte de nascer numa família que gosta dos estudos, da literatura e da possibilidade de ensinar.