Movimentos identitários precisam criar alianças e expandir fronteiras, defende Deborah Duprat
Jurista ministrou, nesta segunda-feira, a conferência de abertura da Semana de Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG
Se a Constituição de 1988 foi um marco no estabelecimento de uma agenda identitária no Brasil, chegou o tempo de os movimentos sociais ultrapassarem suas fronteiras individuais e alcançarem um denominador comum para unificar suas lutas. Essa foi a proposta defendida pela jurista Deborah Duprat ao fim da conferência que ministrou na manhã desta segunda-feira, 16, no auditório da Reitoria da UFMG, no campus Pampulha. Mediada por Teresa Kurimoto, professora da Escola de Enfermagem que integra a Comissão Permanente de Saúde Mental da UFMG, a conferência abriu a Semana de Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG, que vai até sexta com ampla programação.
“Hoje, mais do que nunca, é preciso – sem abandonar a pauta de trazer esses assuntos negligenciados para a ordem do dia e torná-los visíveis – criar alianças e expandir os movimentos para além de suas fronteiras”, disse Deborah, que foi subprocuradora-geral da República de 2009 a 2013 e notabilizou-se justamente por sua defesa dos direitos de minorias e pela defesa dos direitos humanos, de modo geral. “É hora de unir o movimento antimanicomial com a luta dos indígenas, unir o movimento antimanicomial com a luta da população de rua: é preciso ampliar”, defendeu a advogada, que também integrou o Ministério Público Federal de 1987 a 2020.
Duprat defendeu, ainda, que a luta deve superar a tentação das supostas facilidades do mundo virtual e alcançar as ruas, por considerar que no âmbito digital a luta política perde substância e algo de sua própria natureza. “Sei que Minas é um lugar muito especial nesse sentido e tem essa capacidade [de mobilização e luta social]. Nós precisamos ir para as ruas: resolver política no âmbito das redes sociais é negar a política. A intermediação de uma tela suprime afetos importantes da luta política”, argumentou.
Luta contra o desmonte
Para Deborah Duprat, essa mobilização se torna ainda mais urgente ao se levar em conta o atual quadro político brasileiro, em que o comando do país, em sua percepção, está nas mãos de “um governo que, em seu caráter populista, pressupõe um povo sem fissuras nem distinções e, portanto, nega [que deva e possa haver] políticas específicas, como estamos vendo na questão indígena, na questão ambiental, na questão racial, das mulheres, LGBTQIA+”, exemplificou. “Isso tudo aumentou exponencialmente”, disse a advogada, remetendo particularmente ao neoliberalismo pernicioso que resultou de toda a configuração geopolítica mundial dos últimos séculos – a qual ela recuperou, em sua conferência, a partir de uma retomada do que escreveram os principais filósofos que trataram da organização social humana.
O Brasil está sob a gestão de “um governo de natureza autocrática, com muito pouco respeito às instituições, às institucionalidades e às leis e que acentua a ideia neoliberal”, afirmou Deborah. “Em termos de sociedade nacional, estamos voltando a algo muito próximo ao ‘início’ – não só no plano empírico, da violência, e de uma exploração econômica de natureza absolutamente predatória, mas também no entendimento de que a gestão pública é coisa de alguns poucos, sem participação social”, alertou.
A abertura dos trabalhos da Semana de Saúde Mental e Inclusão Social da UFMG foi feita pelo vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, pela pró-reitora de Extensão, Claudia Mayorga, e pela diretora da Universidade dos Direitos Humanos (UDH), Maria Aparecida Moura. Também falaram no evento Laura Fusaro Camey, representante da Associação dos Usuários de Serviço de Saúde Mental (Asussam) de Minas Gerais, e Janaína Dornas, representante da Comissão Municipal da Reforma Psiquiátrica de Belo Horizonte. Transmitida pelo canal na Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da UFMG no YouTube, a cerimônia de abertura pode ser assistida pela internet.