‘O futuro é hoje’: dirigentes compartilham ideias sobre papel social das universidades
Engajamento social, renovação de currículos e criação de políticas sustentáveis desafiam universidades da região, avaliam reitores que participaram da última mesa do seminário da AUGM
“Na pandemia, soubemos dar respostas rápidas a uma situação de grande angústia, e é nosso dever manter o desempenho e a atitude dos últimos anos. Há desafios urgentes, e as soluções não podem esperar, são para hoje. O futuro chegou”, disse nesta segunda-feira, dia 5, o professor Carlos Greco, gestor do Conselho Interuniversitário Nacional da Argentina e reitor da Universidade Nacional de San Martín.
Ao lado de dirigentes do Brasil, do Chile e do Paraguai, Greco participou, no auditório da Reitoria, da quarta e última mesa-redonda do seminário Universidade – Sociedade – Estado: Rumo à CRES+5: Desenvolvimento social, integração regional e o papel das universidades, promovido pela Associação das Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM), realizado nesta segunda, 5 de junho, no campus Pampulha. Os debates foram preparatórios para a Conferência Regional de Educação Superior (CRES+5), que será realizada em Brasília, em 2024.
Mediada pela reitora da Universidade de Brasília, Márcia Abrahão Moura, a conversa foi aberta por Ricardo Fonseca, presidente da Andifes, entidade que congrega os reitores das universidades federais brasileiras. Ele lembrou que, no Brasil, o engajamento social das instituições se dá por meio da extensão universitária, que vem sendo crescentemente valorizada nos últimos anos. A partir deste ano, 10% dos currículos de graduação devem ser ocupados por atividades de extensão. “É preciso aprofundar a extensão, que é uma forma privilegiada de estabelecer uma ponte com a sociedade e convidar quem está fora a conhecer as instituições e sua atuação”, disse.
Fonseca mencionou também a Lei de Cotas, em vigor há 11 anos, que revolucionou o panorama da educação superior”. Para o presidente da Andifes, trata-se de uma política pública bem-sucedida, que, por exemplo, levou pluralidade social, econômica e racial a cursos antes frequentados pelas elites. “As universidades públicas são hoje um espelho mais fiel da sociedade. Mas essa revolução deve ser acompanhada por políticas que garantam a permanência desses novos estudantes, que devem receber mais financiamento”.
Ainda sobre o cenário da educação superior no país, Ricardo Fonseca, que é reitor da Universidade Federal do Paraná, destacou o impacto da expansão de vagas e campi nas instituições federais de ensino superior na forma de transformação social. E enfatizou que as universidades brasileiras têm uma tarefa crucial, após anos de ataques por parte de ministros e outras autoridades: a reconquista simbólica de sua centralidade. "Devemos nos abrir cada vez mais, por meio dos esportes, da cultura e da arte, e aprender juntos a nos comunicar melhor com a sociedade. E devemos continuar sendo protagonistas na defesa da democracia, das liberdades e da cultura dos direitos”, afirmou.
‘Pés na lama’
Carlos Greco, da Argentina, relatou a história da instituição universitária em seu país – que inclui, segundo ele, a universidade colonial, a departamentalização e uma fase recente de expansão – e disse que, no século 21, o financiamento da educação superior e da pesquisa é “dever indelegável do Estado”. Os investimentos, segundo ele, são fundamentais para garantir a transformação dos indivíduos e da sociedade.
Os tempos atuais, acrescentou Greco, são marcados pela democratização, pela inclusão e pelo envolvimento das instituições com os territórios. “As universidades devem, como se diz, botar os pés na lama”, afirmou o dirigente.
Carlos Greco ressaltou também a convicção de que não basta ampliar o acesso aos cursos superiores, é preciso melhorar o rendimento e aumentar as taxas de retenção. Ele insistiu na necessidade de mais recursos para a infraestrutura. "Queremos dar a mais estudantes a chance de entrar, concluir seu curso, se transformar, para que eles voltem a suas famílias e seus bairros e contagiem as comunidades com a capacidade intelectual que desenvolveram”, defendeu.
Diagnósticos e reflexão crítica
Presidente do Consórcio de Universidades do Estado do Chile, Osvaldo Corrales propôs uma reflexão sobre o que se entende por desenvolvimento social. Segundo ele, esse valor era traduzido por crescimento econômico, “que eventualmente alcançava as pessoas”, mas as dimensões da vida social contemporânea não eram consideradas. Para Corrales, essa noção evoluiu e passou a se almejar a erradicação da pobreza, o pleno emprego, a integração social.
“E como as universidades podem contribuir para o desenvolvimento da sociedade? Penso que é formando capital humano avançado, construindo conhecimento relevante em todos os âmbitos da vida, promovendo a interação com as pessoas”, argumentou. Corrales informou que, no Chile, elevaram-se o número de matrículas e os indicadores acadêmicos, e a transferência de tecnologia foi incrementada, mas nem sempre pode-se contar com políticas públicas robustas, capazes de sustentar as melhorias.
“Para que a universidade pública ofereça aporte efetivo, é necessário que ela atue em consonância com as necessidades da sociedade. Ela deve se alinhar com as prioridades do país e com diagnósticos precisos sobre carências e oportunidades, e promover a reflexão crítica. Somente dessa forma, a universidade terá papel significativo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas”, disse Osvaldo Corrales, que é reitor da Universidade de Valparaíso e assumirá no próximo mês a presidência da AUGM.
Paradigmas
Autocrítica, renovação permanente dos currículos, políticas científicas e culturais sólidas compõem a receita para que a universidade pública seja protagonista, como se espera dela, para a consolidação de uma sociedade democrática, defendeu o presidente do Conselho de Educação Superior (Cones) do Paraguai, Clarito Rojas. Ele enfatizou a importância, em seu país, do suporte legal para a atuação das universidades. Nas últimas décadas, diversas leis trataram de autonomia universitária, obrigatoriedade da universalização e valorização das políticas de internacionalização, entre outros aspectos.
Rojas alertou para o perigo da expansão sem qualidade, que concorre para o aumento das desigualdades e a mercantilização da educação superior. Ele defendeu a definição urgente de paradigmas que subsidiem as respostas necessárias aos grandes desafios. “Há demanda veemente por respeito à dimensão humana”, disse.
Para o presidente do Cones, as universidades da América Latina têm necessidades comuns, como autonomia, financiamento e internacionalização. “Nesse caso, não se trata apenas de mobilidade, mas de transferência de experiências que efetivamente contribuam para a consolidação das instituições da região”, ressaltou. É fundamental, continuou Clarito Rojas, que a educação superior seja tratada como “um bem público não comercializável” e que se apoie na “relação direta e produtiva entre universidade, sociedade e Estado”.