Pesquisa e Inovação

O VAR e suas controvérsias: paixão do torcedor suplanta desejo de justiça na arbitragem

Em artigo, professores da UFMG e da Holanda analisam manifestações, no Twitter, sobre a tecnologia

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Árbitro de campo recorre ao VAR na liga dos EUA: para os autores do estudo, as repercussões nas redes sociais são etapas de um processo abrangente de midiatização do esporteSounderBruce / Wikimedia.org

Na última Copa do Mundo de futebol masculino, realizada na Rússia em 2018, o árbitro de vídeo (VAR) foi utilizado pela primeira vez em escala global. A tecnologia surgiu como solução para apaziguar os conflitos decorrentes dos erros de arbitragem, mas também fundou uma série de polêmicas, atestando para o mundo que, a exemplo dos olhos do juiz, o replay não é infalível. 

“O VAR tem se tornado, cada vez mais, objeto de debate popular, em que o futebol e sua cobertura televisiva são discutidos em redes de engajamento, como o Twitter”, comenta o professor Carlos d’Andréa, do Departamento de Comunicação Social da Fafich, a respeito do dissenso provocado pelo auxílio das câmeras aos árbitros.

O professor da UFMG e o pesquisador Markus Stauff, da Universidade de Amsterdam, são os autores do estudo Mediatized engagements with technologies: “reviewing” the video assistant referee at the 2018 World Cup, publicado na revista Communication & Sport.

A dupla analisou as manifestações, no Twitter, de torcedores e jornalistas sobre a atuação do VAR durante o mundial e refletiu sobre o engajamento que, motivado pela paixão e pela relação ambivalente com as tecnologias, chega a ofuscar a demanda dos usuários por justiça na arbitragem. 

Como diz d'Andréa, o VAR só deve intervir em situações em que há erro óbvio do árbitro de campo, mas essa definição não é tão simples, uma vez que existem múltiplos pontos de vista para se interpretar lances de faltas e cartões, por exemplo. "O certo e o errado, quase sempre, são separados por uma zona cinzenta, onde vigora a interpretação. Por isso, a mera ampliação dos recursos audiovisuais não é suficiente para anular as controvérsias", sustenta o professor.

Carlos D'Andréa:
Carlos d'Andréa: lógica econômica engrossa coro dos defensores da tecnologiaFoca Lisboa | UFMG

Midiatização do esporte
O conceito de midiatização implica que aspectos da mídia são integrados e moldados por organizações que se adaptam seletivamente às lógicas da massa. Para os autores, o uso da arbitragem de vídeo e sua repercussão nas redes sociais são etapas de um processo abrangente de midiatização do esporte.

Carlos d’Andréa observa que o VAR foi concebido com o propósito de entrelaçar a produção de provas visuais com a cobertura televisiva, visando contemplar o público amplo. “Até então, o esporte era um universo negligenciado nas análises do engajamento do público com a tecnologia. O VAR representa a premissa de que o ambiente midiático altera a organização e a experiência das práticas esportivas", avalia.

Carlos d’Andréa lembra que o ex-presidente da Fifa Joseph Blatter atuou contra a adoção do VAR durante seu mandato – encerrado em 2015 –, sob a alegação de que os lances duvidosos e os erros de arbitragem fazem parte da essência da modalidade. “Essa visão é compartilhada por muita gente. No outro extremo, estão aqueles que pensam que o futebol precisa ser consertado e pode ser perfeito, que erros são intoleráveis e que a tecnologia pode racionalizar e moralizar as relações”, contrasta o professor.

O anseio por correção nas decisões da arbitragem, como pondera d’Andréa, também é fomentado pela lógica econômica em torno dos resultados dos jogos, já que se têm multiplicado, por todo o mundo, as casas de apostas, e isso engrossa o coro dos defensores do VAR. 

A propósito, a tecnologia do árbitro de vídeo foi bem-sucedida, em seu entendimento, como mitigadora de denúncias de corrupção, num contexto em que “a transparência nos bastidores estava muito em cheque”. “Foi uma maneira de desassociar a imoralidade do jogo de futebol, embora ainda existam teorias de que forças externas sigam interferindo nos resultados”, aponta o docente.

Segundo os autores, a análise das amostras revelou como a comunicação on-line marca a novidade histórica de uma tecnologia. Eles concluíram que as polêmicas decorrentes do uso (ou da omissão) do VAR podem ser atribuídas, entre outras razões, ao entendimento incipiente do público e à falta de transparência nas decisões. 

“A comparação com situações semelhantes do passado, prática consagrada na cultura do futebol, aumenta a atenção e motiva os comentários críticos dos usuários. Por mais que a Fifa redobre os investimentos em tecnologia para auxiliar a arbitragem, as polêmicas ainda vão existir. Isso torna a experiência do futebol mais complexa”, finaliza d’Andréa.

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Árbitros de vídeo em ação: ampliação dos recursos audiovisuais não é suficiente para anular as controvérsias
Niko4it / Wikimedia.org

Matheus Espíndola