Pesquisa mostra alto índice de subnotificação de violência contra mulheres
Número de pessoas que buscaram atendimento de saúde no Brasil é 10 vezes superior ao de casos registrados, segundo estudo com participação da UFMG
A subnotificação de violência contra as mulheres no Brasil foi de 98,5%, 75,9% e 89,4% para as violências psicológica, física e sexual, respectivamente. É o que revela estudo recém-publicado por pesquisadores da UFMG, da University of Washington (EUA) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que estimou a subnotificação da violência contra as mulheres no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), com base em dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) para o Brasil e as unidades federadas.
A professora Deborah Carvalho Malta, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, explica que a violência contra as mulheres (VCM) é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.
O número de mulheres que sofreram violência e procuraram atendimento em saúde foi 10 vezes superior ao número de notificações de VCM. A violência psicológica foi a mais subnotificada em todos os estados brasileiros. Além disso, os estados das regiões Norte e Nordeste foram os que apresentaram maior percentual de subnotificação. Em Minas Gerais, o índice de subnotificação para violência psicológica foi de 98,5%.
A doutoranda Nádia Machado de Vasconcelos, uma das autoras do estudo, ressalta que esses achados mostram, de um lado, a magnitude da violação da saúde mental que a violência traz para as mulheres e, de outro, o quanto a violência psicológica parece ser marginalizada no campo da saúde.
Violência mais visível
A violência física foi a que apresentou menor subnotificação no país. Em Minas Gerais, a subnotificação para esse subtipo de violência foi de 59,9%. “Geralmente, as violências físicas são as que demandam maior atenção da saúde porque atentam diretamente contra a vida e, muitas vezes, deixam suas vítimas em risco de morte. Além disso, as consequências físicas costumam ser mais visíveis, o que pode elevar o reconhecimento da violência e engajar mais profissionais na notificação desses casos”, diz Nádia Vasconcelos.
A subnotificação para a violência sexual em Minas Gerais foi de 83,4%. De acordo com a pesquisadora, em relação à violência sexual, o que chamou mais a atenção foi o alto percentual de notificação encontrado para o Distrito Federal, com 84% de notificações para esse subtipo de violência. “Vale ressaltar que o Distrito Federal tem população semelhante à das capitais médias no país. Uma possibilidade é que a organização da vigilância nesse distrito esteja mais avançada do que em outros estados com população interiorizada e rural. Porém, outros estudos são necessários para conhecer a subnotificação padronizada por porte e urbanização dos locais estudados, possibilitando, dessa forma, uma comparação mais justa”, pontua Nádia.
Aplicativo
Deborah Malta relata que mulheres que convivem com a violência estão mais inclinadas a buscar serviços de saúde com demandas indiretas. A professora também reforça a necessidade de que os profissionais de saúde estejam atentos e preparados para a correta conduta frente a esses casos.
“A violência deve ser suspeitada quando a mulher apresenta sintomas de saúde inespecíficos, como cefaleia, dores abdominal e lombar, distúrbios do sono, fibromialgia e síndrome do intestino irritável. Além disso, mulheres que convivem com a violência estão mais propensas a hábitos de vida não saudáveis, como inatividade física, tabagismo e consumo abusivo de álcool”, explica a professora.
Com o objetivo de melhorar as notificações e tendo em vista a necessidade de constante atualização dos profissionais de saúde, o Ministério da Saúde, em parceria com a UFMG, desenvolveu o NotiVIVA, aplicativo para qualificação de notificações. “Esse aplicativo foi concebido para orientar os profissionais de saúde em relação à identificação dos tipos de violência, melhorar o preenchimento da Ficha de Notificação Individual (FNI) e apoiar os encaminhamentos dos casos suspeitos ou confirmados de violência para a rede de atenção à saúde e proteção social. O aplicativo foi lançado em novembro de 2022, e esperamos que a divulgação e a disseminação dele ampliem o conhecimento dos profissionais, contribuindo para a melhoria dos índices de notificação de violências no país”, conclui Deborah Malta.