Projeto internacional visa aperfeiçoar ensino da criminologia na América do Sul
UFMG se junta a instituições da Europa e de países vizinhos em esforço por uma abordagem multidisciplinar
No Brasil e em outros países da América do Sul, a abordagem acadêmica na área da criminologia e segurança pública é baseada, em grande parte, no direito penal, ou seja, numa visão predominantemente punitivista. Isso está estritamente relacionado com a capacidade limitada do poder público de controlar e prevenir o crime e, consequentemente, com os altos índices de violência e insegurança pública.
A convicção de que é preciso mudar essa visão orienta projeto que reúne a UFMG, a USP e universidades de Colômbia, Peru, Espanha e Portugal, com financiamento da União Europeia, e visa aperfeiçoar o ensino da criminologia em países da América do Sul. Um dos objetivos centrais da iniciativa é a criação de novos cursos de caráter multidisciplinar, com base na partilha de experiências, conhecimentos e competências entre pesquisadores e instituições sul-americanas e europeias.
Uma das coordenadoras do projeto Erasmus+Success, a professora Ludmila Ribeiro, do Departamento de Sociologia da Fafich, afirma que são necessários saberes diversos – de áreas como sociologia, direito, psicologia e demografia – para subsidiar políticas públicas de prevenção e de repressão eficientes. “As políticas devem ser guiadas por evidências científicas, pela reunião e combinação de informações diversas para melhor prevenir, elucidar, processar e punir”, diz Ludmila, que divide a coordenação do projeto com o professor Claudio Beato, colega no departamento e no Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG.
A expectativa é que o esforço internacional gere, na UFMG, um curso de especialização destinado a policiais, promotores, defensores e juízes, e também a criação de disciplinas isoladas e de uma formação transversal abertas aos estudantes de graduação e pós-graduação, em diferentes áreas. A ideia é que, no futuro, sejam implantadas também novas disciplinas obrigatórias – hoje, apenas o curso de pós-graduação stricto sensu em Sociologia mantém uma obrigatória, Seminário de Estudos Avançados em Crime.
Pesquisas, programas e materiais didáticos
O projeto foi iniciado em 2020, com o mapeamento de necessidades entre professores e estudantes e também nos âmbitos das polícias, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder Judiciário, do sistema prisional e da sociedade civil, cujos integrantes compõem o público-alvo de um curso de especialização em criminologia e segurança pública que deverá ser implantado em breve. O trabalho de concepção das ementas para cursos e disciplinas está em fase adiantada. Mais tarde, será criada uma plataforma on-line colaborativa, para abrigar atividades não presenciais e viabilizar o armazenamento e a divulgação de dados.
Em junho e outubro deste ano, dois grupos de professores de diversos departamentos da UFMG (sociologia, demografia, direito, educação, estatística e medicina) e também do Cefet e da UEMG partirão para Portugal e Espanha, onde participarão de atividades de capacitação por cerca de um mês. O primeiro grupo vai passar pelas universidades de Granada e Castilla-la-Mancha, na Espanha, e do Minho, em Portugal; o segundo visitará as universidades Miguel Hernández, de Elche, na Espanha, Católica Portuguesa e do Porto, em Portugal.
Entre os encargos da UFMG no projeto, estão pesquisa para suporte às diversas atividades, elaboração de materiais didáticos para apoio a outros docentes, construção de programas interdisciplinares e oferta de disciplinas e workshops. As universidades dos seis países vão receber e enviar pesquisadores e estudantes para temporadas de intercâmbio. A iniciativa conta com 100 mil euros para despesas com viagens, organização de workshops e pesquisas pontuais, entre outras.
Ludmila Ribeiro lembra que as políticas de repressão no Brasil, Peru e na Colômbia têm suas origens nos países da Península Ibérica, e há muitos elementos em comum no que se refere, por exemplo, aos aparatos burocráticos. “Por isso, é ainda mais interessante saber como eles transformaram suas formas de operar, como têm sido os processos de despenalização”, diz a professora.
Ela ressalta a importância do diálogo entre europeus e sul-americanos também na “perspectiva decolonial”. “Também nós temos muito a ensinar a eles, seja quanto à maior diversidade nas nossas salas de aula ou no que se refere aos movimentos de migração de cidadãos latino-americanos que buscam melhores condições de vida nesses lugares”, afirma Ludmila, acrescentando que os países do Sul podem mostrar ainda como fazer pesquisas com poucos recursos, o que tem sido necessário para enfrentar a redução do financiamento nos últimos anos. Ela ilustra o raciocínio sobre essa via de mão dupla com a informação de que o professor Bráulio Silva, da Fafich, está em Elche, na Espanha, onde leciona uma disciplina que trata do georreferenciamento do crime, método utilizado há muitos anos pelo Crisp.
Os professores da UFMG integrantes do projeto são Andréa Guerra (Departamento de Psicologia da Fafich), Andrea Maria da Silveira (Faculdade de Medicina), Bernardo Lanza (Departamento de Demografia da Face), Camila Nicácio (Faculdade de Direito), Frederico Marinho (Departamento de Turismo do IGC), Marcos Prates (Departamento de Estatística do ICEx), Valéria Oliveira (Faculdade de Educação), Bráulio Silva, Cláudio Beato e Ludmila Ribeiro, esses últimos do Departamento de Sociologia da Fafich. Do Cefet, participam a professora Roseane Lisboa e Luiz Teodoro, residentes de pós-doutorado em sociologia na UFMG; da UEMG, a professora Débora Bossa, que mantém vínculo também com a pós-graduação em psicologia, na Fafich.