Internacional

Relação da universidade com as lutas sociais é tema de mesa do seminário da AUGM

A ex-ministra Nilma Lino Gomes, a deputada federal Célia Xakriabá, a assessora da Presidência Luiza Dulci e a ativista argentina Silvia Ferrero expuseram suas visões

r
Nilma Lino Gomes: lutas sociais são fundamentaisFoto: Foca Lisboa | UFMG

Durante a mesa Universidade e sociedade, realizada na tarde desta terça-feira, dia 5, a professora Nilma Lino Gomes, emérita da Faculdade de Educação e ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos em 2015 e 2016, afirmou que as universidades públicas precisam se contrapor a “uma visão de mundo conservadora e reacionária, produzindo análises, pesquisas, projetos de extensão e internacionalização, e aprendendo com as novas gerações”.

Segundo a ex-ministra, o quadro de desigualdades escolares imbricadas com desigualdades raciais e socioeconômicas foi recrudescido no período da pandemia. “É importante compreender que um conjunto complexo que articula, perversamente, desigualdades e diversidade é a base para que tenhamos dados tão alarmantes sobre a alfabetização e a educação das crianças na América Latina, a despeito de todo o esforço dos governos democráticos”, analisou.  

Nilma Gomes reforçou que as minorias, historicamente, dependem das lutas sociais para concluir a trajetória escolar e acadêmica e alcançar espaços prestigiados na sociedade e na política. “Sou fruto dessa geração”, pontuou. 

A mesa integrou a programação do seminário Universidade – Sociedade – Estado: Rumo à CRES+5: Desenvolvimento social, integração regional e o papel das universidades.

nd
Célia Xakriabá: compromisso de pensar 'outras epistemologias'Foto: Foca Lisboa | UFMG

'Ministros permanentes'
A deputada federal Célia Xakriabá é uma das protagonistas da luta contra o PL 490, dispositivo que define como terras indígenas somente aquelas que estavam comprovadamente ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. 

“Quando lutamos pelo território, lutamos pela ciência, pois a ciência vem do território. O que fazemos dentro da universidade é uma elaboração do pensamento, mas a ciência está dentro de nós, a universidade 'somos nós'. Nossa luta é para sairmos formados e transformados da universidade”, disse a ativista. A destruição ambiental no país só não é ainda mais grave, em seu entendimento, porque os indígenas são “uma trincheira de luta”. “Embora nós, indígenas, nunca tenhamos ocupado o cargo de ministro do Meio Ambiente, somos os ‘ministros permanentes’”. 

A universidade, no cumprimento de seu objetivo de promover o desenvolvimento social, tem o “urgente compromisso”, para Célia Xakriabá, “de trazer as presenças indígenas e quilombolas, e de pensar outras epistemologias”.

Relações harmônicas
Boa parte do conhecimento de ponta vem sendo produzida pelos estudantes que ingressaram nas universidades públicas por meio da política de cotas e do Enem, destacou a economista Luiza Dulci, egressa da UFMG, que hoje atua como assessora da Secretaria da Presidência da República. “Os cortes orçamentários ocorridos nos últimos anos incidiram, especialmente, nos grupos que vinham chegando, pela primeira vez, às universidades”, disse ela, que é doutora em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura.

jd
Luiza Dulci: instituições conectadasFoto: Foca Lisboa | UFMG

A economista mencionou o programa Bolsa Família, a agroecologia e a filosofia latino-americana do bem-viver como dimensões relacionadas com o papel político e cultural exercido pela universidade na relação com a sociedade. “A universidade foi muito importante para mostrar para a sociedade que o Bolsa Família é um investimento importante. A agroecologia, por sua vez, associada à pesquisa acadêmica, promove sistemas produtivos mais baratos, sem agrotóxicos, o que cria uma relação mais harmônica com o meio ambiente”, argumentou.

Luiza Dulci afirmou ainda que a filosofia do bem-viver — conceito fundado por intelectuais indígenas que envolve práticas e entendimentos ancestrais — tem chegado à agenda política brasileira por meio das organizações e dos movimentos sociais. “Nós, latino-americanos, temos uma tradição muito forte com os movimentos sociais e entidades da sociedade civil. É muito importante que a universidade se alimente disso e possa se colocar a serviço deles”, destacou a economista. Para ela, esse tipo de discussão sinaliza que “as instituições estão, de fato, conectadas com as questões locais, que movem as pessoas e que são a raiz das nossas desigualdades”.

A mesa foi coordenada pela pró-reitora de extensão, Cláudia Mayorga. Ela salientou que a relação com a sociedade, que se dá por meio da extensão e de outros meios, é um dos aspectos que diferenciam as universidades latino-americanas das de outros continentes. “Se a extensão universitária entrasse nos rankings internacionais, provavelmente as instituições sul-americanas estariam muito mais bem classificadas”, conjecturou. 

O debate também teve a participação de Silvia Ferrero, presidente da Associação Civil Palabras da Argentina. Ativista da campanha pelo direito ao aborto legal e seguro no país vizinho, Ferrero fez uma detalhada retrospectiva do movimento que chegou a levar 1 milhão de mulheres às ruas de Buenos Aires. 

Matheus Espíndola