Pesquisa e Inovação

Spin-off na área de saneamento transfere conhecimento e mira sustentabilidade

Engenheiros egressos da pós-graduação e de INCT vinculados à UFMG prestam serviços a empresas e comunidades

Leitos de secagem de lodo na estação de tratamento de esgoto Bananeiras, operada pela Copasa
Leitos de secagem de lodo na estação de tratamento de esgoto Bananeiras, operada pela Copasa: recuperação de recursosAcervo Lucas Chamhum

O lodo produzido como resíduo do tratamento de esgotos é aproveitado, em alguns países, na revitalização de áreas degradadas e no incremento da produção agrícola. No Brasil, há base legal para isso, mas a alternativa está longe de se consolidar. O aproveitamento do lodo é uma das formas de recuperação de recursos capazes de contribuir para a universalização do saneamento no país, especialmente no que se refere ao tratamento de esgotos. Aproximadamente metade da população brasileira não se beneficia desse serviço.

As bandeiras da recuperação de recursos e da universalização do tratamento de esgoto inspiram a spin-off Centro de Referência em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (CR ETEs), recém-criada por engenheiros sanitaristas egressos da UFMG. A spin-off – a expressão define empresa de base tecnológica surgida de uma instituição ou de uma outra empresa – vai levar para a sociedade o conhecimento produzido na UFMG, ao longo das últimas décadas, e também no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT ETEs Sustentáveis), que iniciou suas atividades em 2017 e tem coordenação baseada na Universidade.

Lucas Chamhun:
Lucas Chamhum: economia circularArquivo pessoal

“Nosso intuito principal é reforçar elos entre a academia e o ambiente extramuros, promovendo a circularidade da economia e aproximando os diversos atores. A spin-off vai trabalhar com base em diagnóstico, planejamento e diálogo com as comunidades”, anuncia Lucas Chamhum, um dos sócios da empresa, ao lado de Thiago Bressani, Lucas Vassalle, Lívia Lobato, Lariza Azevedo e do professor recém-aposentado Carlos Chernicharo, que coordenou o INCT ETEs Sustentáveis até março deste ano.

O CR ETEs vai aplicar o conhecimento gerado por pesquisas diversas para propor tecnologias apropriadas para casos específicos; prover diagnóstico, planejamento e gestão; capacitar técnicos por meio de atividades como oficinas e workshops, sempre mirando a sustentabilidade econômica e ambiental. Entre outros trabalhos já iniciados, a spin-off presta assessoria à Vale na proposição de soluções sustentáveis de saneamento no âmbito do Plano Estratégico de Saneamento para a Bacia do Rio Paraopeba. O plano integra o pacto firmado pela mineradora com o poder público com vistas à compensação pelo desastre humano e ambiental provocado pelo rompimento de barragem de rejeitos de mineração no Córrego do Feijão, em Brumadinho, em janeiro de 2019.

Sensibilização da população
Há cinco anos, o INCT ETEs Sustentáveis produz pesquisas em diferentes vertentes e atua para intervir na sociedade, formando recursos humanos, capacitando profissionais do mercado, propondo melhorias na legislação, desenvolvendo materiais, equipamentos e softwares, e levando conhecimento aos órgãos e empresas de saneamento.

As pesquisas do Instituto focam principalmente no controle de emissões gasosas e uso energético do biogás; valoração e aproveitamento de subprodutos sólidos (o lodo, por exemplo), importantes para a recuperação de áreas degradadas e para a produção agrícola; recuperação de nutrientes e produção de água para reúso, além da melhoria da qualidade do esgoto, que deve chegar às estações com menos rejeitos sólidos, por exemplo.

Chernicharo:
Chernicharo: resolução de problemas elementaresArquivo pessoal

“Uma das grandes preocupações do INCT sempre foi traduzir o conhecimento acadêmico em linguagem acessível para propiciar o acesso de um público amplo. Foram publicadas mais de 50 notas técnicas e produzidos vídeos, cartilhas e jogos para celular, visando à sensibilização da população”, explica o professor Carlos Chernicharo. “O foco é a resolução de problemas elementares, não necessariamente por meio de grandes descobertas.”

O professor conta que, em 2020, o Instituto teve papel importante na elaboração e aprovação de normas nos âmbitos federal e estadual, relacionadas ao uso do lodo do esgoto em solo e de efluentes do tratamento para finalidades que não exigem a potabilidade da água. “O tratamento de esgotos é encarado historicamente como custo, apenas. Mas pode gerar recursos, por meio da redução de volume, melhoria da qualidade. Custos menores ajudam a ampliar o atendimento da população e diminuir as emissões de gases de efeito estufa”, diz Chernicharo, que tem a função de mentor na spin-off.

Um exemplo da atuação do INCT em consonância com as demandas da sociedade é a produção regular de informações, desde o início da pandemia de covid-19, sobre a presença do novo coronavírus nos esgotos de Belo Horizonte e outras cinco capitais brasileiras, em parceria com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e outras instituições.

Thiag Bressani:
Thiago Bressani: escuta ativa das comunidadesArquivo pessoal

Novos paradigmas
Os engenheiros sanitaristas levam para a spin-off o DNA da pesquisa aplicada e a convicção de que os novos caminhos são abertos por meio da quebra de paradigmas , como salienta Thiago Bressani. “As empresas estão abertas a novos conceitos, como o da economia circular, que substitui a linear, baseada na ideia da infinitude de recursos. Nesse sentido, ocupamos um espaço ainda pouco explorado na área do saneamento”, ele explica, ressaltando que um grande desafio é somar aos projetos técnicos os anseios da comunidade, que devem chegar aos engenheiros por meio de escuta ativa. “Para o sucesso de um projeto, é crucial que os usuários enxerguem os benefícios e se engajem.”

A parceria, desde o início, do INCT ETEs Sustentáveis com a Coordenação de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG – em aspectos como o depósito de patentes e o licenciamento de equipamentos para comercialização – ganhou a forma de apoio à criação da spin-off. Segundo Thiago Bressani, “o modelo pioneiro de interface universidade-empresas no setor de saneamento vai gerar ganhos multilaterais e ajudar a consagrar o valor da colaboração no lugar da competição, gerando ambientes que promovem a inovação e a aceleração da pesquisa e desenvolvimento”.

Itamar Rigueira Jr.