UFMG aprova regime acadêmico especial, que amplia condições de permanência na graduação
Instrumento, inédito entre as universidades brasileiras, foi regulamentado pelo Cepe
O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UFMG regulamentou o Regime Acadêmico Especial para Permanência (Raep) de estudantes da graduação, por meio da Resolução nº 01, de 20 de abril de 2023.
O regime, criado em 2018 conforme o artigo 102 das Normas Gerais da Graduação, será implementado a partir do primeiro período letivo de 2024 e atenderá aos graduandos nas seguintes situações, permanentes ou transitórias: doença crônica ou prolongada, deficiências, sofrimento mental, gestação, guarda e companhia de filhos com menos de quatro anos, responsabilidade legal por cuidados a pessoas doentes ou com deficiências e situações análogas consideradas pertinentes. A resolução que formalizou o novo regime também está publicada na edição 2.127 do Boletim UFMG.
Para a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, o Raep se insere no conjunto de políticas adotadas pela UFMG que a tornam cada vez mais inclusiva. “Temos o compromisso com a excelência, mas a inclusão e a permanência de grupos mais vulneráveis ou que precisam de suporte em razão de condições específicas também estão no centro de nossas preocupações. Não podemos deixar ninguém para trás, e o novo regime acadêmico materializa esse princípio”, avalia a reitora.
O pró-reitor de Graduação, Bruno Otávio Soares Teixeira, define o regime como “uma mensagem de acolhimento da Universidade” ao estudante que não consegue dar continuidade a seus estudos no ritmo estabelecido pela proposta formativa do curso. “A UFMG sinaliza para esse estudante que uma eventual trajetória acadêmica prolongada, se devidamente planejada, não é uma situação excepcional”, pondera o pró-reitor, respaldado por estudos do Setor de Estatística da Prograd, segundo os quais menos da metade dos concluintes da graduação integralizam o curso no tempo padrão.
“Esse cenário demanda a criação de condições para que os estudantes não evadam e concluam seus cursos de graduação e, a cada período letivo, elaborem uma proposta de matrícula coerente com sua realidade, contribuindo, assim, para redução no número de trancamentos e de reprovações. O reconhecimento dessa realidade tranquiliza o corpo discente e faz parte da formação cidadã que queremos construir”, enfatiza o pró-reitor.
A professora Adriana Drummond, presidente da comissão instalada pela Câmara de Graduação da Prograd para estudar o processo, avalia que a política busca eliminar ou atenuar as dificuldades encontradas pelos estudantes em seus percursos acadêmicos. “Essas dificuldades expressam as desigualdades sociais, econômicas, de gênero, raça, etnia e de pertencimento a culturas não hegemônicas, que geram efeitos que são vivenciados silenciosamente pelos estudantes em seus cotidianos e podem comprometer sua capacidade de dar prosseguimento aos estudos previstos na proposta formativa do curso de vínculo”, afirma. O grupo que ela presidiu reuniu representantes de toda a comunidade universitária para formular a proposta de regulamentação do novo regime.
Mais tempo e flexibilidade
A proposta do novo regime é favorecer a permanência do estudante na sala de aula, em seus locais de estágios e em atividades de campo e de extensão, entre outros ambientes da Universidade. A requisição do Raep será feita aos colegiados dos cursos, e o processo de avaliação e concessão será executado com a participação de uma rede de apoio, integrada pelos departamentos acadêmicos, pelos núcleos de acolhimento e instâncias equivalentes nas unidades e pelo Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI).
O Raep poderá ser concedido por até dois períodos letivos, com possibilidade de renovação. Nos casos de condição permanente ou prolongada, o regime poderá durar todo o curso de graduação
Os estudantes alcançados pelo novo regime terá aumentado automaticamente o tempo máximo de integralização atribuído (TMIR), com acréscimo de 0,5 vezes o total de períodos letivos para os quais foi concedido o Raep (índice calculado nos termos do artigo 85 das Normas Gerais da Graduação). Essa mudança vai gerar impacto nas regras de desligamento estabelecidas nos incisos I, II, III do artigo 87 das NGG. Outra mudança em destaque para todos os estudantes em Raep será a reinclusão administrativa automática na primeira ocorrência de desligamento por desempenho acadêmico insuficiente (nos termos do inciso IV do art. 87 das NGG).
Parceria estratégica
Em alguns casos, ao analisar o processo de solicitação do Raep, os colegiados, em articulação com os departamentos, estabelecerão diretrizes para implementação de adaptações de estratégias pedagógicas em algumas atividades acadêmicas curriculares de acordo com as possibilidades operacionais e pedagógicas da Universidade e dos campos de estágio. Contudo, Bruno Teixeira enfatiza que o objetivo não é adaptar os conteúdos, mas as estratégias pedagógicas.
“Nem todo estudante em Raep necessitará de alguma adaptação das estratégias pedagógicas e, se o demandar, não o fará para todas as atividades. Um estudante responsável pela guarda de filhos menores de quatro anos, por exemplo, pode demandar apenas a aprovação de matrícula pelo colegiado, em um número menor de créditos e coerente com quadro de horário concentrado em apenas parte do dia para cursos diurnos”, explica o pró-reitor.
Dessa forma, as diretrizes elaboradas pelos colegiados serão consideradas junto com os programas das atividades acadêmicas curriculares para orientar os professores sobre as eventuais adaptações pedagógicas, como o uso de tecnologias assistivas, de recursos e técnicas didáticas diferenciadas, acompanhamento do estudante por monitoria, definição de condições especiais para avaliações, entre outras.
Implantação
Para que o regime comece a ser implantado no primeiro período letivo de 2024, os colegiados contarão com o suporte de ações já existentes, como as desenvolvidas no âmbito do LabDocências, vinculado à Diretoria de Inovação e Metodologias de Ensino (Giz). “Seus diversos processos formativos estarão à disposição dos professores, e os programas de bolsas acadêmicas da Prograd poderão contribuir para a adaptação das estratégias pedagógicas”, afirma a pró-reitora adjunta de Graduação, Maria José Flores.
Ainda de acordo com ela, a Câmara de Graduação também aprovou a indicação de comissão para articular ações entre as instâncias envolvidas e elaborar um manual de perguntas e respostas para se antecipar às dúvidas que poderão surgir. A comissão reunirá representantes da Câmara de Graduação, da Diretoria Acadêmica da Prograd, da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis, do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão e dos núcleos de acolhimento das unidades acadêmicas.
Cada colegiado também poderá indicar uma comissão assessora para acompanhamento da trajetória acadêmica de seus estudantes em Raep, que assim serão identificados no diário de classe de todas as Atividades Acadêmicas Curriculares (AACs) em que estiverem matriculados.
Oito anos de construção coletiva
Até a regulamentação, aprovada em abril passado, estudantes nas condições contempladas pelo Raep vinham sendo atendidos por meio de ações conduzidas por alguns colegiados, professores ou projetos específicos, com base em diretrizes indicadas pela Câmara de Graduação. O debate sobre o tema foi iniciado há oito anos. Veja a cronologia:
2015: a Câmara de Graduação pautou a discussão da proposta na Universidade, que desde então vem sendo conduzida de forma cuidadosa, dados seu alcance e sua complexidade. A criação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), naquele mesmo ano, sinalizou a necessidade da institucionalização de outras ações de natureza acadêmica e pedagógica para garantir o direito à educação.
2016: o Cepe analisou propostas de criação de um regime para contemplar estudantes em algumas das condições especificadas pelo Raep, mas decidiu aprofundar a discussão com a comunidade acadêmica.
2018: o Cepe aprovou as Normas Gerais da Graduação (NGG), por meio da Resolução Complementar 1/2018. Seu artigo 102 prevê a criação do Regime.
2019: a Câmara de Graduação aprovou recomendações aos colegiados de cursos sobre como proceder em relação aos estudantes até a regulamentação do Raep.
2020: foi instituída comissão para trabalhar na proposta de regulamentação do Raep com representação dos estudantes, dos servidores técnico-administrativos, das pró-reitorias de Graduação e de Assuntos Estudantis, do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão e dos núcleos de acolhimento e instâncias equivalentes. Esse grupo estudou as legislações e experiências de outras instituições de ensino superior do país e estrangeiras em relação ao tema.
2022: várias reuniões foram realizadas para discussão da proposta e aprimoramento do texto preliminar da resolução que regulamentou o Raep.
Primeiro trimestre de 2023: a Câmara de Graduação discutiu e incorporou as sugestões encaminhadas pelos colegiados, pelo coletivo de núcleos de acolhimento e setores equivalentes da UFMG e pelo NAI. O texto da resolução foi aprovado e encaminhado ao Cepe.
20 de abril de 2023: o Cepe aprovou a regulamentação do Raep, que entrará em vigor no primeiro período letivo de 2024.
Raep e outros mecanismos
As Normas Gerais de Graduação (NGG) já previam dois mecanismos emergenciais e de curta duração para estudantes com dificuldades em prosseguir seus estudos: o trancamento parcial ou total de matrícula e, em casos específicos, o regime especial.
Com o trancamento de matrícula, o estudante pode interromper os estudos, parcial ou completamente, em um dado período letivo, o que implica afastamento do ambiente acadêmico.
O regime especial autoriza a substituição das aulas não frequentadas pelo estudante que esteja temporariamente impossibilitado de comparecer à atividade acadêmica curricular do tipo disciplina, por tarefas realizadas fora do ambiente universitário compatíveis com o seu estado de saúde e com as possibilidades operacionais e pedagógicas da Universidade, conforme dispõe a resolução 14/2019, de 14/11/2019, do Cepe.
Em conformidade com legislação federal vigente, o regime especial se aplica a duas situações: estudantes portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbidas incompatíveis com a frequência às aulas, determinando distúrbios agudos ou agudizados e estudantes gestantes, a partir do oitavo mês de gestação e durante três meses.
O Raep, por sua vez, se distingue dos dois instrumentos pelo seu caráter aprimorado, na avaliação do pró-reitor Bruno Teixeira. “Trata-se de um mecanismo inédito, preventivo e diferenciado, que possibilita ao estudante planejar sua trajetória acadêmica de acordo com suas condições de saúde e responsabilidades familiares, entre outras situações, favorecendo seu progresso no curso”, conclui o pró-reitor.