UFMG coordena seis novas unidades do programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
Os INCTs são grupos multinacionais que lançam mão de competências e ferramentas diversas e de excelência; novas estruturas receberão R$ 31,3 milhões, no total
Seis projetos coordenados por pesquisadores da UFMG foram selecionados em 2022 para integrar o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Os INCTs são grandes empreendimentos de pesquisa que unem várias instituições, no Brasil e no exterior, para encontrar soluções para grandes desafios com capacidades e ferramentas diversas e de excelência. O programa é vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Cinco dos projetos terão sede no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e serão dedicados à biodiversidade, aos poxvírus, às leveduras, aos venenos e antivenenos e à nanobiofarmacêutica. Na Faculdade de Medicina estará a coordenação do INCT que vai tratar de neurotecnologia responsável. Essas novas unidades receberão, no total, R$ 31,3 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A UFMG teve, desde o início do programa, em 2008, 23 projetos aprovados (alguns já encerraram suas pesquisas), em diversos campos do conhecimento. Pesquisadores da Universidade participam do programa não apenas como líderes, mas também, muitas vezes, como subcoordenadores ou colaboradores. Segundo o CNPq, outros seis INCTs coordenados e sediados na UFMG estão em atividade. Eles foram aprovados no edital de 2014 e são dedicados a vacinas, dengue, nanomateriais de carbono, democracia, tecnologias ambientais para valoração de resíduos e estações de tratamento de esgoto sustentáveis.
O pró-reitor de Pesquisa da UFMG, professor Fernando Reis, ressalta que o alto índice de aprovação de projetos da Universidade – que submeteu 22 propostas ao edital de 2022 – reflete o reconhecimento da comunidade científica à liderança da UFMG em diversos temas cuja investigação é considerada de alta relevância. “O programa dos INCTs se caracteriza por oferecer estabilidade no financiamento de médio prazo, o que possibilita o planejamento e a renovação de equipes de pesquisadores, incluindo bolsistas, sem perdas para os projetos”, afirma o pró-reitor. Cinquenta e oito unidades INCT foram aprovadas neste ano – há outros 104 em atividade no Brasil – e iniciarão seus trabalhos em 2023.
Conheça, a seguir, os projetos coordenados na UFMG recém-selecionados pelo CNPq.
INCT Nanobiofar: novas formulações e alvos
O INCT Nanobiofar vai conceber uma plataforma científico-tecnológica baseada em nanotecnologia e conceitos terapêuticos inovadores para o desenvolvimento e caracterização de medicamentos baseados em nanofármacos e nanovetores de alto valor agregado. A primeira fase do trabalho será dedicada ao tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, especialmente cardiovasculares.
O coordenador do INCT, professor Robson Santos, do Departamento de Fisiologia e Bioquímica, explica que o Nanobiofar vai agregar competências provenientes de diferentes áreas do conhecimento para atuação em estágios críticos do desenvolvimento de um medicamento, como produção de modelos animais de doenças, obtenção de novos fármacos, desenvolvimento de novas formulações e ensaios clínicos e pré-clínicos.
“A experiência acumulada até aqui pela rede de pesquisadores internacionais será facilmente transferida para outros compostos, e será possível identificar novos alvos terapêuticos”, afirma o professor do ICB, que destaca também a expectativa de testar formas inéditas de administração de novos compostos, seja por inalação ou aplicação tópica.
Vinte e cinco pesquisadores da rede são bolsistas de produtividade do CNPq (15 deles de nível 1). Os integrantes do INCT publicaram, apenas nos últimos cinco anos, mais de 900 artigos em periódicos de alto impacto – como Nature, Cell e Science – e foram responsáveis por 90 patentes depositadas. “O pilar desse Instituto é a ciência básica e sua potencial translação para produtos e processos capazes de melhorar a vida das pessoas”, afirma Robson Santos, acrescentando que outros objetivos são formação de recursos altamente qualificados, comunicação com a sociedade – por meio de seminários e podcasts, por exemplo – e rodadas de negócios para transferência de tecnologia.
Um exemplo de produto já transferido é o Sanctio, para combate à calvície. Outro produto com a mesma finalidade (incluindo a alopecia causada pela quimioterapia) será repassado em breve ao mercado. Uma formulação endovenosa à base de Angiotensina para tratamento de pacientes em UTI com covid-19 grave já passou, com sucesso, pelos estudos clínicos de fase 1 e 2. Conselhos e comitês com diversas funções vão compor a estrutura de governança e gestão do Nanobiofar.
INCT POX: diagnósticos e vacinas contra os poxvírus
O INCT POX vai estudar os poxvírus, família de vírus que infecta animais e invertebrados. Alguns desses microrganismos são os causadores de doenças como a varíola, hoje erradicada no mundo, e da monkeypox, e ainda o vaccínia vírus, que há mais de 20 anos causa doenças nas áreas rurais no Brasil. A proposta do Instituto é avaliar os dados epidemiológicos, virológicos, imunopatológicos e clínicos em pacientes e fazer vigilância sorológica e genômica. Estudos serão desenvolvidos em diferentes biomas, regiões geográficas, áreas urbanas, rurais e silvestres.
“Às contribuições para a ciência básica, soma-se o potencial de inovação e desenvolvimento biotecnológico. Pretendemos ajudar o país a se preparar para o combate a possíveis novas epidemias, com informações nas áreas da saúde humana e animal e do meio ambiente”, afirma a professora Erna Kroon, que coordena o INCT ao lado da colega Giliane Trindade. Ambas são vinculadas ao Departamento de Microbiologia do ICB.
Uma das linhas principais de pesquisa e atuação do INCT POX é a avaliação de mpox e outros poxvírus em humanos e animais e sua dispersão no Brasil. Um objetivo central é desenvolver testes diagnósticos, vacinas e substâncias para o tratamento das doenças. As expectativas dos pesquisadores têm alcance de médio prazo – relacionadas à dispersão e aos diagnósticos – e de longo prazo – contribuir para novas vacinas e substâncias antivirais. A capacitação de recursos humanos vai permear toda a atividade do INCT, cujos resultados serão acompanhados por um comitê gestor e discutidos em encontros científicos.
O projeto reúne 25 docentes e 180 colaboradores, entre professores, técnicos e bolsistas. Eles integram os quadros de 14 instituições, em todo o Brasil e no exterior. Uma das bases para a constituição do INCT POX é o Laboratório de Vírus do ICB, que se dedica à pesquisa sobre os poxvírus desde os anos 1990. Reconhecido dentro e fora do Brasil, o laboratório foi pioneiro no estudo e na descrição dos diversos aspectos da emergência dos poxvírus no país.
Além de pesquisadores do Departamento de Microbiologia, colaboram integrantes do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do ICB, da Faculdade de Farmácia, da Escola de Veterinária e do Centro de Tecnologia em Vacinas (CTVacinas), gerido pela UFMG e Fiocruz Minas. Um dos nomes estrangeiros é Bernard Moss, do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, considerado o mais importante estudioso de poxvírus, com os quais trabalha desde 1975.
INCT Biodiversidade: observatório para políticas públicas
Cientistas de universidades, museus e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior se uniram para criar o Observatório da Biodiversidade Brasileira, que será dedicado aos biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Pampa e Mata Atlântica. O novo INCT vai produzir um conjunto de resultados para orientar as tomadas de decisão relacionadas à conservação da biodiversidade, à prevenção de novas zoonoses, à segurança hídrica e alimentar, ao ecoturismo de fato sustentável e ao setor industrial. O objetivo é gerar ganhos sociais, ambientais e econômicos.
O observatório terá papel crucial, segundo o professor Geraldo Wilson Fernandes, do ICB, para “entender e manejar a maior diversidade de espécies e paisagens do planeta, especialmente em um momento crítico de mudanças globais”. Embora o Brasil seja o país com a maior biodiversidade do mundo, as iniciativas ainda operam de forma desarticulada. “Além disso, ainda necessitamos de políticas públicas integradas que tratem a biodiversidade e o bem-estar humano como centrais para o futuro do país”, afirmaram os responsáveis pelo observatório em carta aberta publicada em outubro no JC Notícias, da Sociedade Brasileira para o Progresso para a Ciência (SBPC).
Em diversos países, centros de informação e monitoramento como esse têm contribuído para a solução de problemas e o avanço da ciência. É o caso do Geo Bon, observatório global com sede no Canadá que reúne dados de todo o planeta e conta com pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, com visão transdisciplinar.
“Um observatório detecta o que acontece em seu escopo de ação no território nacional. Seu valor agregado está baseado na busca e triagem de informações, na organização desses dados de maneira coerente e na comunicação clara com a sociedade e os tomadores de decisão”, afirma Helena de Godoy Bergallo, vice-coordenadora do observatório e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ela enfatiza que a avaliação constante da biodiversidade brasileira é fundamental para a orientação de políticas públicas e estratégias para o Brasil.
Representantes de vários setores e um conjunto de redes e sistemas de pesquisa brasileiros e internacionais vão trabalhar de forma conjunta no observatório. Esse esforço vai possibilitar, por exemplo, a previsão do surgimento de novas doenças ligadas à conversão de usos da terra, o estudo integrado de espécies e a restauração de áreas degradadas nos diferentes biomas.
INCT Leveduras: inventário para a bioinovação
O INCT Leveduras: Biodiversidade, preservação e inovações biotecnológicas tem a missão de aprofundar conhecimentos sobre as leveduras da biodiversidade brasileira e também preservá-las e utilizá-las de forma sustentável. Esses microrganismos são os mais utilizados pelo homem em biotecnologia, com receitas de trilhões de dólares anuais, de acordo com o coordenador do Instituto, professor Carlos Augusto Rosa, do Departamento de Microbiologia do ICB. Ele destaca ainda que a fermentação de açúcares na produção de etanol, e outros produtos do metabolismo, faz das leveduras “verdadeiras biofábricas para gerar bioinovação”.
A Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica são hotspots, ou seja, regiões geográficas onde é grande a diversidade ecológica e onde a intensa ação humana cria enorme risco de extinção. Isso representa também ameaça ao desenvolvimento do conhecimento e à conservação desses biomas. A Caatinga, as Florestas de Araucária e os campos têm a diversidade microbiana pouco explorada.
“Nossa proposta inclui realizar o maior inventário de leveduras nesses biomas, com foco na descrição de novas espécies e na preservação ex-situ, ou seja, fora do lugar de origem”, esclarece Carlos Rosa. Ele acrescenta que o conhecimento do perfil metabólico e genético dos microrganismos e a utilização deles para gerar bioinovação são outros objetivos relevantes do novo INCT.
A meta estabelecida é ambiciosa: acrescentar cerca de 10% de novas espécies ao volume conhecido mundialmente. Para tanto, as espécies novas encontradas terão os genomas sequenciados e depositados em bancos de dados públicos. Os isolados de leveduras terão o perfil metabólico determinado, focando em características de interesse, por meio de testes automatizados feitos em larga escala (high-throughput screening).
Segundo o coordenador, as linhagens produtoras de aromas únicos serão testadas na produção de cervejas e kombucha, bebidas cujo número de produtores tem aumentado de maneira exponencial. “Pretendemos obter produtos e processos que serão disponibilizados para o setor produtivo”, adianta Rosa. Os inventários de biodiversidade, com mapas de distribuição das espécies nos biomas, poderão auxiliar nas políticas para a preservação da biodiversidade microbiana brasileira.
INCT Inovatox: terapias contra envenenamento
O INCT em Venenos e Antivenenos: Inovatox vai criar um ecossistema de pesquisa capaz de propor soluções inovadoras e aplicáveis para problemas relacionados ao envenenamento por animais peçonhentos no Brasil. Dessa forma, será possível criar um núcleo dedicado ao conhecimento científico e à inovação em toxinologia.
Segundo o coordenador do INCT, Carlos Chávez-Olórtegui, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, a expectativa é que professores e pesquisadores doutores sejam capacitados para usar novas ferramentas biotecnológicas na fronteira do conhecimento. A ideia, segundo ele, é produzir e caracterizar toxinas nativas ou recombinantes de peçonhas, realizar a cartografia epitópica e produção de antígenos quiméricos multiepitópicos, possibilitando, assim, o desenvolvimento de uma nova geração de imunobiológicos baseados em anticorpos policlonais, monoclonais e recombinantes específicos.
Com base no conhecimento gerado e nas relações estabelecidas pelo INCT, será possível, acreditam os pesquisadores, melhorar o tratamento de vítimas, uma vez que haverá melhor entendimento da patofisiologia do envenenamento, assim como produzir diagnóstico mais preciso, que propiciará a administração da terapia adequada. Essa terapia poderá ser baseada em métodos de ação mais eficiente e se beneficiar de formas de produção mais sustentáveis, garante Delfin. A proposta inclui a caracterização de toxinas de imunidade e resistência inata ou adquirida, de processos de envenenamento, diagnóstico, bioprospecção, e resposta terapêutica, além da conscientização da importância científica e social da toxinologia.
A ideia é consolidar grupos de competência científica e docente reconhecida – abrangendo o comprometimento na formação de jovens pesquisadores –, contemplar a inovação, o desenvolvimento de produtos e processos, difundir conhecimento, estreitar o vínculo e apoiar centros emergentes nas diferentes regiões do país, com a colaboração de núcleos internacionais.
A equipe de 113 jovens pesquisadores tem experiência comprovada e maturidade para estabelecer parcerias com indústrias químicas e farmacêuticas, dentro e fora do Brasil. A participação no INCT de três laboratórios públicos produtores de antivenenos de qualidade reconhecida nacional e internacionalmente deverá estreitar o caminho para a pesquisa translacional, o que dará à nova estrutura condições de contribuir significativamente para que o conhecimento científico promova melhorias para a saúde pública com mais celeridade.
INCT NeurotecR: responsabilidade e ética
O objetivo central do INCT em Neurotecnologia Responsável é analisar, desenvolver e implementar uma plataforma de pesquisa e inovação capaz de antecipar e enfrentar os desafios éticos, legais e sociais suscitados por novas neurotecnologias. O Instituto terá sede no Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) da Faculdade de Medicina da UFMG.
Vinte subprojetos de diversas áreas e em diferentes estágios de desenvolvimento serão contemplados, a princípio. Serão criados comitês para promover o engajamento público, a ciência aberta, a educação científica, equidade de gênero e raça, a ética e a governança participativa. O INCT vai contar com a colaboração de múltiplos atores sociais, como pesquisadores, cidadãos, gestores políticos e empresas e organizações do terceiro setor.
Algumas iniciativas contempladas pelo INCT NeurotecR estão relacionadas a modelo animal, optogenética (conjunto de técnicas que combinam luz, genética e bioengenharia para o estudo de circuitos neuronais e comportamentos), neurodesenvolvimento infantil e demência entre idosos. O CNPq concedeu ao projeto R$ 5 milhões para um período inicial de cinco anos.
O professor do Departamento de Saúde Mental Marco Aurélio Romano coordena o projeto. Ele informa que o campo da pesquisa e inovação responsáveis é embrionário mesmo na Europa, onde surgiu. “Ainda há dificuldades de implementar os conceitos nos países europeus. Nosso projeto é pioneiro no Brasil, e queremos envolver a sociedade como um todo na ciência, de forma a atribuir mais direitos para todos, com voz ativa”, afirma Romano.
Ele lembra um momento histórico em que a condução da ciência foi questionada do ponto de vista da ética: durante a Segunda Guerra Mundial, o Projeto Manhattan produziu as primeiras bombas atômicas, que mataram milhares de pessoas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. “A pandemia de covid-19 também é exemplo de como devemos educar e engajar a população nos temas da ciência. A resistência às vacinas, a politização da abordagem da imunização e o uso de medicamentos indevidos poderiam ter sido menores se a população entendesse mais o processo de produção das pesquisas”, enfatiza o professor.