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Campeão de teses: Reinaldo Palhares, da Engenharia, é multipremiado pela UFMG e pela Capes

Docente da Universidade há 22 anos, ele orientou, entre outros, Márcia Peixoto, que acaba de vencer o Grande Prêmio UFMG e o Prêmio Capes de Tese

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Palhares e orientandos no laboratório: ''a gente nunca sabe o quanto vai conseguir empurrar a fronteira"Foto: Jebs Lima | UFMG

Nos quadros de avisos de um dos corredores do Departamento de Engenharia Eletrônica, na Escola de Engenharia da UFMG, estão afixadas cópias do certificado recém-concedido ao orientador da primeira tese do Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica a vencer o Prêmio Capes de Tese – o reconhecimento mais importante aos trabalhos de doutorado realizados no país. 

Em 2023, Márcia Luciana da Costa Peixoto defendeu tese que propõe solução inovadora para o controle de sistemas não lineares com menor esforço computacional. Ela foi orientada pelo professor Reinaldo Martínez Palhares. Na última quarta-feira, dia 23, o trabalho de Márcia foi coroado com o Grande Prêmio UFMG de Teses, na área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias.

Palhares é, certamente, um dos campeões da Universidade em premiações do gênero. Essa história começou em 2007, quando Eduardo Nunes Gonçalves recebeu menção honrosa na primeira edição do Prêmio UFMG de Teses, na área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias. E não parou mais. O Grande Prêmio UFMG ele ganhou duas vezes, antes desta última edição: em 2009, com o trabalho de Fernando de Oliveira Souza, e em 2022, com a tese de Pedro Henrique Silva Coutinho.

Caminhas:
Caminhas: 'orientador profissional'Foto: Marina Bastos | Fundep

“Costumo dizer que o Reinaldo é um orientador profissional”, diz o professor Walmir Caminhas, colega de departamento que compartilha laboratório e projetos de extensão para empresas como a Petrobras. “Ele consegue captar alunos para trabalhar com um tema difícil, que exige conhecimento teórico aprofundado, e está sempre ao lado deles no laboratório. Esses alunos publicam muito durante o curso. Reinaldo forma pesquisadores que estão hoje em centros de alto nível, no Brasil e no exterior”, elogia.

“O prêmio da Capes representa muito para nós e para a UFMG. Recebi a notícia com sensação de felicidade misturada com surpresa”, conta Reinaldo Palhares. “Essas premiações recompensam muito tempo e esforço, tanto com os temas de pesquisa quanto com as pessoas.” O  professor lembra que ele e seus alunos atuam na fronteira do conhecimento. “A gente nunca sabe o quanto vai conseguir empurrar a fronteira. Isso depende também de sorte na escolha do objeto de estudo, e há sempre o risco de não chegarmos à solução pretendida. Às vezes, encontramos soluções marginais.”

Individual e coletivo
Palhares corrobora o depoimento de Walmir Caminhas ao falar do hábito de estar todos os dias no D!FCOM, o Laboratório de Diagnóstico de Falhas, Controle, Otimização e Modelagem. “Ali fazemos um trabalho de formiguinha, que é individual e coletivo ao mesmo tempo. Os alunos conversam uns com os outros, sempre sabem o que os colegas estão fazendo. Temos café no laboratório, às vezes almoçamos juntos”, conta o professor, acrescentando que a convivência “fica para o futuro” e que até hoje é forte a relação de ex-alunos entre si e com ele próprio.

Márcia
Márcia: 'paixão dele nos motiva'Foto: acervo pessoal

Última aluna premiada com Reinaldo Palhares, Márcia Peixoto relembra que o orientador avalia e dá sugestões o tempo todo. “Desenvolvi vários trabalhos por causa dessa característica dele. Mesmo na pandemia, fazíamos pelo menos uma reunião on-line por semana”, afirma a pesquisadora, que iniciou o doutorado em 2019. “A paixão do professor Reinaldo pela docência, pela pesquisa e pela orientação nos motiva.” Márcia, que hoje é professora da Université Polytechnique Hauts-de-France, em Valencienne (França), perto da fronteira com a Bélgica, revela que ainda liga para Reinaldo em busca de ajuda, até em questões pessoais. “Ele recomenda cafés especiais e viagens. Conheci muitos lugares que ele indicou.”

Docente da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Marcos D’Ângelo era amigo de Reinaldo antes de ser orientado por ele no doutorado, na segunda metade dos anos 2000. Ele salienta a organização, a disciplina e a responsabilidade como principais traços do professor. “Ele dá muita atenção e não deixa a pessoa parada. Nunca um aluno está com algo atrasado. Com ele isso não acontece. Mesmo com essa rigidez, nunca soube de problemas de estudantes com o Reinaldo”, garante.

Vocação de pesquisador
Filho de um fiscal da Receita Federal e de uma dona de casa, Reinaldo Palhares nasceu há 55 anos em Anápolis, a cerca de 60 quilômetros da capital, Goiânia. Terceiro dos cinco filhos, ele teve infância de brincadeiras na rua, sempre munido de uma bola ou um carrinho de rolimã; na adolescência, jogou um pouco de vôlei, lia um ou outro livro, ouvia e trocava discos de vinil.

A Engenharia Química era o plano inicial de carreira. Passou antes da hora no vestibular em Uberlândia, foi reprovado na segunda fase da seleção na USP – então já com o ensino médio devidamente concluído. Mudou radicalmente para a Psicologia e iniciou o curso na Universidade de Brasília – mas não era aquilo, definitivamente. “As opções para a Engenharia Química estavam longe de Anápolis e Goiânia. E uns primos faziam Elétrica, que eu não conhecia direito. Resolvi tentar e, em 1988, comecei o curso na UFG [Universidade Federal de Goiás]. Encontrei um ambiente efervescente e fiquei muito empolgado”, rememora. Tão empolgado que decidiu frequentar disciplinas de Filosofia, no prédio em frente. “Lembro que apliquei algo da engenharia elétrica nas aulas de lógica”, comenta.

Palhares:
Palhares: 'empurrando a fronteira'Foto: Jebs Lima | UFMG

Carente de oportunidades de pesquisa, Reinaldo entendeu, antes mesmo de terminar a graduação, que precisava rumar para a pós. Procurou a Unicamp, sentiu-se bem recebido e iniciou o mestrado em 1993. “Adorei a cidade, a universidade, o ambiente de inovação”, diz. Quando apresentou sua dissertação, já estava com projeto aprovado para o doutorado e emendou um curso no outro. Nessa época, ia uma vez por mês a Anápolis. Em 1996, casou-se com Veruschka, que estudava direito e conseguiu transferência para a PUC de Campinas.

O casal saiu de Campinas para Belo Horizonte em 1998, e Reinaldo ingressou na PUC Minas: indicado por Ricardo Takahashi, já então docente da UFMG, foi recebido por Jaime Ramírez, que era da PUC, mas depois também se tornaria professor – e, anos mais tarde, reitor – da UFMG.

A mudança para a UFMG, em 2002, foi motivada justamente pela farta oportunidade de pesquisa – Reinaldo veio para ganhar um salário mais baixo. Foi acolhido pelo professor Benjamin Menezes, que “destravava tudo” no programa de pós. Logo o primeiro aluno que orientou, Eduardo Gonçalves, recebeu menção honrosa no Grande Prêmio UFMG de Teses; o segundo, Fernando, ganhou o prêmio UFMG e menção honrosa na Capes. Hoje, Reinaldo Palhares se dedica aos campos de controle e de detecção, diagnóstico e prognóstico de falhas. “Trabalho com métodos novos, com inteligência artificial”, resume o professor, antes de explicar que uma das missões da engenharia elétrica é “modificar o comportamento de um sistema qualquer de forma automática, colocando vários agentes em sincronismo”.

Reinaldo e família no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu
Reinaldo e família no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu Foto: acervo pessoal

Trilhas e paisagens
O prazer mais intenso fora do trabalho é viajar. E Reinaldo tem verdadeira adoração por parques e trilhas, para onde sempre foi com a família. Em julho deste ano, o destino foi o Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí, e eles aproveitaram para também percorrer o litoral do estado e visitar os Lençóis Piauienses. Mas ele recomenda também destinos como os parques nacionais da Chapada dos Veadeiros e da Chapada dos Guimarães e, em Minas, os parques estaduais do Rio Preto e Ibitipoca. “Nos parques, meu interesse é pela natureza, pelas paisagens e pelas caminhadas”, ele conta. Magro, aparentando boa forma, Reinaldo não pratica esportes, mas faz questão de caminhar algumas vezes por semana em Belo Horizonte. “Sem isso, não tem como aproveitar as trilhas”, afirma, com conhecimento de causa.

Reinaldo tem dois filhos, ambos muito perto de se graduar – Natascha, de 22 anos, em Ciência da Computação, na Universidade Federal de Viçosa; Leonel, de 24, em Engenharia Elétrica, na UFMG. A caçula garante que a dedicação do pai ao trabalho não é problema para a família. “Somos super de boa com isso”, ela afirma, se dizendo impressionada com a produção dele. “Ele parece muito inteligente”, emenda, com uma risada. “São muitos artigos, congressos. Penso em fazer o mestrado, mas vejo tanta coisa no Lattes do meu pai...”, ela continua, ainda fazendo graça. Natascha conta que, quando vem a Belo Horizonte, é certo ter a companhia de Reinaldo para filmes, jogos de cartas e de tabuleiro. 

Leonardo Torres
Leonardo Torres: comunidades de pesquisadoresFoto: Jebs Lima | UFMG

Após as entrevistas, o último ato da reportagem foi a sessão de fotos, na sala de Reinaldo e no laboratório que coordena. Nesse momento, ele teve a companhia, além de alguns orientandos, do professor Leonardo Torres, colega há mais de 20 anos no Departamento de Eletrônica e também no PPGEE. Torres lembra que Reinaldo coordenou o programa de pós por dois mandatos consecutivos, de 2009 a 2013. “Ele pilotou o barco muito bem pilotado”, elogia. “Tenho admiração profunda pelo Reinaldo, ele inspira muito respeito e reconhecimento na UFMG. Estou muito feliz com esse prêmio inédito para o programa, que nos dá maior projeção e melhores chances na concorrência por recursos.”

Leonardo Torres destaca ainda a franqueza do amigo e também sua habilidade de criar comunidades de pesquisadores, como ocorreu no período de 2012 a 2016, quando Palhares desenvolveu um projeto com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Leonardo não se furta a revelar que há um assunto em que a conversa entre os dois não flui tão bem. “Ele adora viajar e comentar as viagens, e nesse aspecto não podíamos ser mais diferentes”, diz, com bom humor, Leonardo Torres.

Por falar em parcerias, Reinaldo comenta que as que têm mantido em Manaus, em particular com os pesquisadores da Ufam, estão entre seus motivos de maior orgulho. “Esses esforços conjuntos reduzem as assimetrias no Brasil”, enfatiza, adicionando que vê a capital do Amazonas “como um segundo lar”. Novas experiências como essa são objeto de desejo para o futuro. “Gostaria muito de poder ampliar e fortalecer as várias parcerias nacionais e internacionais que temos construído por vários anos e que têm sido muito frutíferas”, diz Reinaldo Palhares, que, entre muitos outros compromissos, já registrou em sua agenda a solenidade de entrega do Prêmio Capes, no dia 12 de dezembro, em Brasília.

A melhor de 2024

Marcia e Reinaldo receberam prêmio da
Márcia e Reinaldo foram premiados pela Sociedade Brasileira de AutomáticaFoto: acervo pessoal

A pesquisa de Márcia Peixoto, inserida no campo de controle e automação – uma das subáreas da Engenharia Elétrica –, culminou na elaboração de estratégias de ação ou controle mais simples e eficientes para modificar o comportamento de sistemas complexos, referidos como modelos não lineares. Esses modelos representam de forma mais realística, segundo Palhares, sistemas presentes em áreas como a aeroespacial, as de geração de energia, máquinas elétricas, robótica, cibersegurança e automação industrial.

“Pela primeira vez, é proposta uma forma de cômputo de ação de controle de baixa complexidade que tem maior possibilidade de obter soluções viáveis e eficazes, evitando o uso de restrições adicionais, comuns na área de controle. A aplicabilidade da estratégia concebida pela Márcia foi discutida em diferentes cenários, incluindo o de ataques cibernéticos em ambientes de controle em rede”, explica o orientador. 

Márcia é a primeira mulher a ganhar o Prêmio Capes de Tese na área de Engenharias IV, que engloba as engenharias elétrica e biomédica, com suas respectivas subáreas. Também venceu esta última edição do Prêmio Capes Felipe Augusto Resende Viegas, do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação da UFMG, sob orientação do professor Marcos André Gonçalves e coorientado pelo professor Leonardo Chaves Dutra da Rocha, da Universidade Federal de São João del-Rei. Felipe Viegas também venceu o Grande Prêmio UFMG de Teses entregue na última quarta-feira. 

Os prêmios concedidos neste ano a Márcia Peixoto pela Capes e pela UFMG fecham (por ora) uma longa lista de reconhecimentos às orientações de Reinaldo Palhares. Alguns de seus alunos contemplados foram Eduardo Gonçalves (Prêmio UFMG de Teses, 2007), Fernando Souza (Grande Prêmio UFMG de Teses, 2008; Menção Honrosa no Prêmio Capes de 2009) e Pedro Henrique Silva Coutinho (Grande Prêmio UFMG de Teses, 2022). Outras premiações estão relacionadas na página de Reinaldo Palhares no Currículo Lattes.

A tese premiada de Márcia Peixoto foi assunto do programa Aqui tem ciência, da Rádio UFMG Educativa.

Itamar Rigueira Jr.